O dr. Rosalino

O salário de 16.500 euros mensais, o dobro do do PM, é motivo de comoção nacional, razão de hipócritas indigestões partidárias, assunto para uma apressada - e calculada! - descolagem de Mário, o governador, Pilatos que lava as mãos da imundície que nunca denunciou.

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  • 17:38 | Segunda-feira, 30 de Dezembro de 2024
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O dr. Rosalino foi o fidelíssimo intérprete dos cortes na Administração Pública, aquando da passagem da troika por terras lusas.

Coube-lhe a tarefa de reduzir o quadro de funcionários, incumbência que cumpriu com brio e zelo, sem que desse sinais de contrariedade, perante milhares de almas sofridas, esgotadas em crises de ansiedade, mergulhadas numa intranquilidade incomum.

O salário de 16.500 euros mensais, o dobro do do PM, é motivo de comoção nacional, razão de hipócritas indigestões partidárias, assunto para uma apressada – e calculada! – descolagem de Mário, o governador, Pilatos que lava as mãos da imundície que nunca denunciou.


O salário incomoda-me, mas entendo que não há nada a fazer. A lei, mesmo feita à medida, é o que é, feita pelos mesmos que tratam de defender os seus interesses e acautelar as suas vantagens, alcançando no desiderato maiorias fáceis. Nisso, poucos são os que fogem da sarnenta cumplicidade, os que escapam à sonsa familiaridade. Mancomunados na imoralidade, seleccionam as mais vitamínicas vitualhas, garante de repasto farto e fecundo.

E o Banco de Portugal, na esteira dos congéneres europeus, segue o que as economias ricas determinam, tratando de garantir aos seus quadros superiores, o lúmpen que ocupa os gabinetes de consultores, a elite de investigadores e bolseiros, rendimentos protectores.

É na origem que está o mal. Insanável, porque na génese são todos iguais, fraternos e solidários na repartição dos luxos.

À mesa do réveillon, o champanhe e o caviar serão do melhor, e nada os diferenciará na qualidade da essência e na elegância do flûte, sorvidos até à última gota, numa doentia ganância.

Aqui chegados, se o senhor tem competência, se o senhor está disponível, se o seu salário de origem é principesco, quem, no seu lugar, recusaria o ganha-pão? Quem, na sua posição aceitaria perder remunerações? Quem? Eu não seria parte nesse contrato patrioteiro, eu não trocaria prebendas por lugares pelintras. O amor à Pátria tem limites e o Estado é ingrato. Cidadão exemplar é o que exige tudo aquilo a que tem direito.

E o cristalino Rosalino, mesmo sem escrutínio, não tem culpa de ser um predestinado para a função. Enquanto isso, quem de direito, trate de ser mais preocupado com a equidade, mais contido e moderado na legislação, de modo a que o circo seja menos exuberante e o palhaço não tão excêntrico.

Um bom ano, com muitas luzinhas, burros e camelos.

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Publicado em Opinião