A tia Esmeralda

A minha querida tia Esmeralda morreu há trinta e nove anos vítima de violência doméstica.

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  • 12:58 | Terça-feira, 19 de Novembro de 2024
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Uma homenagem a todas as mulheres que foram e continuam a ser vítimas de violência doméstica.

A minha tia Esmeralda era uma mulher pequenina, magrinha, de olhos azuis e cabelo aloirado que trazia sempre apanhado num poupo coberto por uma rede.

Vestia de forma tradicional, nunca usou calças, sempre saia travadinha e quase sempre com um avental por cima que só tirava em dias de festa.


Nos dias de festa a minha tia e o marido eram os primeiros a começar o baile e muitas vezes os últimos a sair, contagiando todos com a forma e a alegria com que corriam e rodopiavam na roda.

A minha tia Esmeralda era uma mulher alegre, bem-disposta e com um sentido de humor particular, nada comum às mulheres daquela altura.

Lembro-me que participava sempre nos cortejos etnográficos caricaturando figuras sempre diferentes. Recordo com especial alegria quando parodiou uma senhora fina com uma sombrinha, um espelho enorme na outra mão e assumiu durante todo o trajecto do cortejo o ar sério de uma mulher vaidosa que se olhava e apreciava ao espelho! Fantástico…quadro lindo, digno de uma actriz de alto gabarito! Era aplaudida por todos e só perdia a compostura e caía às gargalhadas quando alguém do público lhe enviava um piropo condizente com a sua figura.

A minha tia Esmeralda tinha uma burra, que carregava com uma dúzia de peças, lençóis, toalhas, panos da cozinha e outras miudezas que vendia às mulheres nas aldeias vizinhas.

O negócio permitia-lhe desenvolver uma cumplicidade muito grande com as suas freguesas e muitas vezes facilitava o pagamento para que adquirissem aquela toalha que iam pôr na mesa no dia de Páscoa.

A minha tia Esmeralda não tinha filhos, era uma mulher que ganhava o seu próprio dinheiro, tinha sentido de humor e gostava de brincar tanto com os mais pequenos como com os mais velhos.

Muitos homens não gostavam e continuam a não gostar de mulheres assim, mulheres que se bastam a si próprias e não precisam de um homem para sobreviver…

A minha querida tia Esmeralda morreu há trinta e nove anos vítima de violência doméstica.

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Publicado em Opinião