Na semana passada, um jornal nacional noticiou que, no presente ano lectivo, os alunos no ensino superior caem quase para metade, uma quebra de 41,%, relativamente ao ano passado. Apenas 1655 alunos, beneficiários do escalão A, entraram nas universidades e politécnicos.
A generalidade da comunicação social, ocupada com a luta de galos, que se arrasta penosamente desde Março, no ringue do orçamento, desinteressou-se do assunto, talvez por o considerar menor ou não se anunciar com as estrias da polémica.
Perante os números, a Comissão de Acesso, não tendo ideia inovadora, ficou-se pelos costumes, sugerindo o que qualquer cidadão atento e preocupado proporia: o reforço da Acção Social Escolar. Pouco e elementar.
O mercado da habitação, altamente inflaccionado, contribui bastante para esta dificuldade. O aluguer de um simples quarto a preços exorbitantes, é uma barreira instransponível para as famílias mais desfavorecidas. Mesmo as residências universitárias, quando, de facto, houver vontade política para as construir, e não forem apenas parte de um portfolio de boas intenções, tardarão anos a chegar, não sendo solução imediata.
Alguns agregados familiares pensam em recorrer ao crédito bancários, mas os juros altos não convidam ao risco. Os tempos não são de aventuras. E quem não pode, fica para trás.
Copiando o que já se faz lá por fora, a facilidade do crédito, durante o curso universitário, com juros bonificados, obrigando-se o estudante, quando ingressasse no mercado de trabalho, ou, eventualmente, desistisse da formação, a restituir o montante emprestado, seguindo um calendário viável e sensato, não seria caminho a enjeitar. Mas tudo isto acompanhado de uma consciente e rigorosa política de fiscalização dos rendimentos e do aproveitamento escolar.
Talvez por Portugal ter vivido séculos numa monarquia de poder absoluto, gozando os reizinhos de impunidade e imunidade, numa 1.ª República descomandada e sem freio nos excessos, não esquecendo as virtudes, e numa ditadura cega e fria nos procedimentos administrativos, a quem interessava o atraso, os governantes da democracia, hoje, amedrontam-se com o rigor e hesitam no zelo que devem presidir à boa aplicação dos subsídios, os apoios sociais, na linguagem da moda, que convém seguir, evitando os rótulos. E, na incapacidade de discernir quem, na realidade, os merece, distribuem a eito, fiéis ao princípio secular do taberneiro e do bêbado: antes verta do que mal cheio.
Confundindo vigilância com intromissão, seriedade com severidade, fiscalização com atentado aos direitos, exemplo com perseguição, temendo a impopularidade do critério, escolhem não intervir, optam pela arbitrariedade, o caminho fácil dos néscios, a via imprópria dos eunucos, as águas salobras dos impotentes.
E ficam-se nas covas, incapazes de separar o trigo do joio.
E a teta do orçamento alimenta indistintamente quem deve e não deve, o desvalido e o oportunista, o infeliz e o vadio, o enteado e o mandrião.
Pelo que conheço, vejo e me contam, se se cortasse em quem abusa e torpedeia o Estado, gozando da sua benevolência, que é mais incompetência, muito sobraria para dar a quem precisa.
Pois, quanto ao assunto que hoje aqui me traz, preocupa-me que, aos poucos, voltemos ao antigamente: só tiravam cursos superiores aqueles cujas famílias tinham dinheiro para suportar os custos inerentes a esse benefício. Eram poucos os que prosseguiam estudos, ficando para trás muitos jovens com talento e inteligência bastantes para irem mais além. Portugal, precisando de todos, não pode dispensar os melhores, pelas mesquinhas razões de ausência de posses e de rendimentos.
É arcaico e estúpido que num país da União Europeia os com engenho e aptidão fiquem na cauda, porque o Estado não tem uma estratégia de superação das insuficiências familiares. Se, de facto, e por convicção, queremos um Portugal coeso e moderno, não é tolerável esta discriminação. Isto sim, é que nos devia juntar, agregar, unir. Mas aceitamos e baixamos os braços, como se a injustiça fosse padrão.
Já há séculos, D. Maria Pia de Saboia, esposa do nosso rei D. Luís, numa carta ao pai, Vítor Manuel de Itália, o chamado o “Pai da Pátria”, por ter unificado a Península Itálica num único estado, dizia, referindo-se aos lusitanos: “Esta gente é de um pacifismo incrível.”
Com tristeza, embora sem estranheza, constato que as agendas partidárias tão ágeis e hábeis na frenética luta pela inclusão social, arrebanhando apoios para a causa, rápido se desinteressem por esta desigualdade, injusta e encapotada, mas não menos ofensiva e aviltante. Esta sim, a minar os alicerces e os fundamentos de uma saudável sociedade democrática.
Infelizmente, por fazer parte da nossa matriz, que nos devia envergonhar, e também por não ser novidade, não convoca manifestações, não atiça os entusiasmos da intelectualidade reinante, faminta do que é fracturante e lhe chega de outros mundos, empurrado pelos ventos desgraçados e precários do modismo.
PS: O salário mínimo passa para os 1.000 €, em 2028. E os estrategas continuam na sanha de esquecerem o médio?