A Canção do Profeta

Hoje, o crescimento do Partido da Liberdade Irlandês, de extrema-direita, liderado por Hermann Kelly, populista, nacionalista, demagogo, sexista, xenófobo… pode muito bem ser a realidade da efabulação de Lynch, ou tê-la inspirado.

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  • 11:05 | Quinta-feira, 26 de Setembro de 2024
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Com este seu 5º romance, o irlandês Paul Lynch venceu o Booker Prize de 2023 e mais uma mão-cheia de prémios.

O título fornece ao leitor mais atento informação sobre o conteúdo da obra. Era pelo “canto” que se encantavam plateias e, até, mitologicamente, as sereias conduziam os nautas à perdição. Por sua vez, o “profeta” é aquele que foi contactado pelo sobrenatural ou pelo divino e que por eles fala intermediando com o humano.

A acção da obra decorre em Dublin, capital da República da Irlanda. Um país com uma História truculenta, com momentos de tensão e de revolta ainda nos nossos dias bem patentes, com o IRA e o SINN FEIN, o seu povo descendendo de combativos guerreiros celtas, vikings, normandos…


A diegese deste distópico e disruptivo romance remete-nos temporalmente para um futuro próximo, quando o Partido da Aliança Nacional, depois de ganhar as eleições, instaura no país a Lei dos Poderes de Emergência e, com a sua recém-criada polícia política, a GNSB, com as demais forças de segurança e a Justiça (tipo tribunais plenários do Estado Novo) nas suas mãos, põe em prática um ‘estado de sítio’ através do qual, em nome do patriotismo tudo vale para iniciar a “caça às bruxas”, purgas políticas, perseguições aos cidadãos não alinhados com a ideologia vigente, prisões em massa sem culpa formada, deixando incomunicáveis os detidos por tempo indefinido, fazendo o cerco intimidatório às suas famílias, mulheres, adolescentes e crianças, tornando o terror o sentimento vivido no quotidiano das outrora famílias felizes, num país com enorme um potencial de prosperidade e de sucesso.

 

No fundo um orwelliano “Triunfo dos Porcos” ou um “1984” premonitório das piores práticas despóticas, um pesadelo para os cidadãos livres e um paraíso para os emergentes párias sociais que, nestas ocasiões, emergindo dos canos de esgoto como os ratos de “A Peste” de Camus, se colam oportunista e perversamente ao poder e à tirania.

Hoje, o crescimento do Partido da Liberdade Irlandês, de extrema-direita, liderado por Hermann Kelly, populista, nacionalista, demagogo, sexista, xenófobo… pode muito bem ser a realidade da efabulação de Lynch, ou tê-la inspirado. Ou de uma ficção não tanto quanto isso, a deixar-nos antever um futuro obscuro da humanidade e o que é viver sob as garras desses iníquos cidadãos da polis, os encantadores profetas da desordem, do ódio, da violência, da desgraça, os novos apologistas de todos os estados totalitários de má memória.

 

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Publicado em Opinião