Desde que o Correio da Manhã noticiou na 1.ª página que iriamos para eleições se o orçamento não fosse aprovado, o país político ficou na expectativa de dias incertos. E os menos informados, a verem fantasmas e perigos onde os não há.
Por essa razão, foi estranha a queixa de Montenegro, expressa em comunicado oficial, difundido pelas redacções. Que desde 4 de Setembro tenta agendar reunião com o líder da oposição, e tem deparado com a sua indisponibilidade recorrente, deixando escorrer nas entrelinhas o desinteresse antipatriótico do PS.
Sem disfarces, ficou subjacente a ideia de que ao empenho do PM correspondia um desleixo de PNS. E disse mais, que apesar de ter cancelado a agenda por causa da tragédia que nessa semana assolava o país, expressou interesse na concretização do encontro, no dia 18. E PNS terá insistido na indisponibilidade, avançando que só a partir do dia 27 ela poderia ocorrer. O comunicado terminou com uma desanda cáustica em PNS, um puxão de orelhas.
Sabendo que sobre os mesmos factos objectivos não há duas verdades, um destes dois senhores está a mentir. Que um papel com o timbre oficial da República traga a nódoa da inverdade, é infame, mas é igualmente injurioso que quem personifica a alternativa veja ajuntar-se-lhe a nódoa das falsas declarações.
Custa-me a crer que, em consciência, um e outro se prestem a estes papéis diminutivos. E não dêem conta do ridículo em que caem, ao não verem a mentira exposta, desnuda. Parece-me anormal que, na gestão das expectativas sérias, lancem mão das armas usadas no circo da campanha eleitoral e a que já ninguém liga por serem descaradamente estúpidas e imbecis: a mentira escancarada, o ataque, sem pudor. A contradição evidente entre os dizeres de ambos, absolutamente improdutiva, mais parece uma brincadeira de cachopos, um jogo do gato e do rato, indigno de quem governa e de quem aspira a fazê-lo. Como só há uma verdade, um dos dois está a mentir, não sei quem, mas um deles está a falhar às suas obrigações cívicas.
Para o que conta, a verdade é que ainda as notícias iam a meio e já era público que as duas figuras tinham aprazado a reunião para dia 27, às 15h00, como o PM tinha afirmado no seu comunicado. Empurrados pela publicitação da correspondência e das farpas epistolares, até então só conhecidas nos bastidores, acertaram-se, finalmente os desavindos, enterrando o jogo do pião.
O caricato deste episódio, e dos que se lhes vão seguir, é que, sem sermos adivinhos nem lançarmos cartas, todos sabemos como é que a novela vai terminar: o Orçamento vai passar, evitando eleições antecipadas. Por puro cálculo partidário: a AD, que, mesmo subindo, não chegaria à maioria absoluta, o PS, que, mesmo vencendo, também se ficaria por um governo minoritário, e os partidos mais pequenos, certamente esfrangalhados na sua representação, pela bipolarização que se instalaria, durante a campanha. E pelo interesse nacional: depois da tragédia que calcinou famílias e o país, ninguém está para aturar garotices, adiando a estabilidade por causa de ninharias, embirrices de adultos, amuos egoístas: o IRS jovem e o IRC.
PS: Tive alguma esperança na nova geração de líderes partidários, nascidos ou de cueiros de pano, no Abril, que fossem mais arejados e com menos defeito, mas, pelo que se vê, aprendendo nas “jotas”, e incorporando os seus vícios, trazem a borra do pote e os restos do prato para a Ágora, insistindo no acessório, repetindo truques e inutilidades.
O povo arrota a podre, enfartado deste jeito zíngaro de gerir a “res publica“, indisposto com os cavalheiros que o tornam prática comum. E, à falta de melhor, não vendo alternativa firme, aturam-nos.