Parece ser consensual a ideia de que a justiça funciona mal em Portugal. Estava muito longe de imaginar algumas das razões que estarão na origem das ineficiências do sistema. Ficámos todos a saber que as raízes de todos os males, de que enferma a justiça, serão as jovens grávidas e os “velhos” e as “velhas” de 55 anos…
Parece não haver limites para o ridículo, nas cúpulas da justiça portuguesa. Ainda não passou muito tempo, desde que soubemos da “reforma geracional”, proposta pela senhora provedora de justiça, Maria Lucília Amaral, como justificação para exonerações de “velhas” e “velhos” com 55 ou mais anos. Um caso claro de idadismo que nos deve envergonhar e que não pode ser branqueado.
Eis que a senhora Procuradora-geral da República, Lucília Gago, na audição, na Assembleia da República, decidiu não ficar para trás e encontrou uma explicação para o mau funcionamento do Ministério Público. Contrariando a vox populi de que muitas vezes a culpa morre solteira, depois das velhas e dos velhos, foram apontadas novas culpadas, as mulheres jovens, em idade fértil, que engravidam e beneficiam de licenças de maternidade.
Nunca imaginei que fosse possível tamanha tacanhez, reveladora, uma vez mais, de um sexismo e idadismo larvares, inaceitáveis, em pleno século XXI. É curioso que tal afirmação venha de alguém cuja especialidade é o direito da família, é mulher, é casada e tem dois filhos.
A interseccionalidade do sexismo e do idadismo potencia o preconceito, a discriminação e o estigma. E se os diversos setores de atividade fizerem “jurisprudência” com as pérolas emanadas pelas lideranças do Ministério Público e da Provedoria de Justiça?
Numa lógica simplista e rudimentar, poder-se-á concluir que as mulheres, até aos 45 anos (poderá ser mais), dentro do designado período reprodutivo, não deverão ser contratadas? Se considerarmos a outra “baliza”, a dos 55 anos, terão como janela de oportunidade, para exercer uma profissão, em pleno, sem causar engulhos às entidades patronais, cerca de 10 anos? Dou uma nova ideia às altas patentes da justiça, o melhor mesmo será a mulher nem sequer trabalhar, reassumir a função de mãe e de fada do lar.
A senhora procuradora não explicitou quem orquestrou e dirigiu a alegada campanha contra o Ministério Público, optou por enredar-se em justificações atabalhoadas que não enobrecem a entidade que representa e que merece o respeito de todos nós por tudo o que representa no Estado de Direito Democrático.
Será que, um dia, não muito distante, teremos saudades do “não sei”, “não me lembro”, “não respondo”, “invoco o direito ao silêncio”?