A tradição nunca mais será o que era…

Quem não se lembra do amolador de tesouras que percorria as ruas das povoações transportando na sua bicicleta uma autêntica oficina?

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  • 22:10 | Domingo, 08 de Setembro de 2024
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Um dia destes estava a atravessar uma rua em Viana, quando subitamente deparei com um homem que arranja guarda-chuvas. Afrouxei a marcha até quase parar e por momentos regressei ao passado! Aquela personagem que eu julgava desaparecida, estava ali, tão real como há trinta anos atrás. O mesmo tipo de bicicleta, os mesmos sombreiros presos, o mesmo apito e o mesmo som! Até a forma com puxava a bicicleta era a mesma!

 


 

Esta personagem que fazia parte do meu imaginário, acarretou outras que tal como o homem dos guarda-chuvas, faziam parte do quotidiano das gentes das nossas aldeias!

Quem não se lembra do amolador de tesouras que percorria as ruas das povoações transportando na sua bicicleta uma autêntica oficina? O amolador anunciava a sua chegada com o pregão: afiam-se facas e tesouras, juntamente com o som característico do realejo. No tempo dos meus pais e avós era habitual dizer-se temos chuva, quando se ouvia o som do amolador de tesouras. Apesar de nem sempre chover à passagem do homem do realejo, o ditado mantêm-se até hoje!

De todos o que mais me marcou foi o capador! Chegava à aldeia soprando o apito, que anunciava a sua presença e que fazia o povo correr aos cortelhos, de onde os suínos eram retirados para, à luz do dia e dos olhares de quem queria assistir, o experiente castrador lhes retirar as partes que levariam para sempre toda a virilidade do animal.

Lembro-me que era um homem grande, com uma barba muito cerrada, com uma enorme covinha no queixo, era o que se podia dizer um homem que metia respeito, a mim confesso que me metia medo! Jamais esquecerei os gritos desesperados dos porquitos ao lhes ser infligida tamanha barbaridade. Enquanto pequena, nunca percebi a necessidade de se caparem os porcos e ainda hoje questiono a prática de tão bárbara acção.

Outras das personagens era o azeiteiro, aparecia impreterivelmente e sem falhas às quintas – feiras e a sua chegada era anunciada com a buzina da carrinha. Tinha os seus lugares de paragem e a sua clientela acorria em magotes em volta da mesma, para se abastecer de azeite, azeitonas, mercearia, bacalhau e outras miudezas.

O arroz, o açúcar e o feijão eram armazenados em sacas de serapilheira, o azeite em bidões e as azeitonas em latas. Também trazia sardinha salgada nas barricas e enguias em barris. A carrinha do azeiteiro exercia sobre mim um fascínio e uma grande atracção. Não resistia, e tinha sempre que ir dar uma espreitadela. Espreitadela que não era bem vista pela minha mãe, uma vez que, ele era um concorrente directo da mercearia dos meus pais. Mesmo correndo o risco de levar uma descascadela, não resistia em espreitar lá para dentro e deliciar-me com a arrumação nas prateleiras de tantas coisas! Parecia quase impossível caber tudo naquele espaço tão pequeno. A carrinha do azeiteiro representa para mim o maior aproveitamento e rentabilização de espaço que sempre conheci.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades…

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Publicado em Opinião