“Viseu, a melhor cidade para viver”… e morrer atropelado?

A PSP, em 2023, registou uma média de 4 atropelamentos por mês, na cidade, com quase 70% ocorridos na passadeira.

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  • 17:21 | Quinta-feira, 15 de Agosto de 2024
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Há duas semanas, em dois dias seguidos, dois homens, na casa dos 60 anos de idade, morreram atropelados em Viseu. Uma das vítimas, um militar da GNR na reserva, ia com o seu cão a atravessar a Avenida da Europa,  fora da passadeira, quando foi atropelado. Morreram os dois. Um outro homem, ao atravessar a passadeira junto à prisão e à Praça Carlos Lopes, foi atropelado por um autocarro que lhe passou com o rodado traseiro por cima da cabeça. Não sei se já foram apuradas as condições em que ocorreu o invulgar acidente, mas sabe-se que os semáforos estavam desligados.

Em Abril deste ano também já tinham ocorrido dois atropelamentos: um no dia 7, pelas 21 horas, com 3 crianças e jovens a serem atropelados numa passadeira da Rua Mendonça, tendo sido transportados para o Hospital Pediátrico de Coimbra, e, no dia 15, um outro atropelamento na Av. da Europa provocou um ferido ligeiro.

Em 5.12.2023, uma menina de 11 anos atropelada ao atravessar uma passadeira na Av. Emídio Navarro também acabaria por morrer. A PSP, em 2023, registou uma média de 4 atropelamentos por mês, na cidade, com quase 70% ocorridos na passadeira.


O PS, em comunicado, afirma que os seus vereadores, na reunião de Câmara de 1.02.24, questionaram o executivo sobre eventuais “diligências para combater a crescente sinistralidade rodoviária nas ruas de Viseu” e se tem um plano municipal de segurança rodoviária e identificação de pontos negros. Fernando Ruas terá respondido que não pode terminar com os atropelamentos e que “seria bom ensinar os peões a circular, porque há gente que se atira nitidamente às passadeiras”. Em conferência de imprensa, Ruas acusou o PS: “Se calhar nem tiveram pena nenhuma, mas aproveitaram-se”.  E atirou toda a responsabilidade para os peões, os condutores, a Escola a quem caberia a “literacia de comportamento dos peões” e para a PSP que regula o trânsito, porque a autarquia já não pode fazer mais nada para além das passadeiras, dos semáforos e até já tem uma polícia municipal (!).

Pode haver culpas repartidas, mas a autarquia não se pode eximir de responsabilidades.  Fernando Ruas esteve 24 anos seguidos à frente da Câmara Municipal de Viseu, foi presidente da Associação Nacional de Municípios, e foi deputado e eurodeputado antes de voltar a ser eleito autarca, pelo que devia estar mais ciente das suas obrigações nesta matéria.

Já em 2011, a Comissão Europeia, após a sua comunicação, em 2010, “Rumo a um espaço europeu de segurança rodoviária de 2011 a 2020”, publicou um Livro Branco onde atribui às autarquias o dever de “facilitar as deslocações a pé e de bicicleta”, o “aumento da segurança destes utilizadores vulneráveis” e “a educação da população”, recomendando o estreitamento pontual da via, maior aderência do pavimento para potenciar travagem mais rápida e eficiente, caminhos casa/escola/casa mais seguros, Led de aviso e elevação das passadeiras. A Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária também criou ,em Junho de 2018, um Programa de Protecção Pedonal e de Combate aos Atropelamentos. E o Observatório de Segurança das Estradas e Cidades garante que as Câmaras podem ser julgadas por acidentes nas vias municipais por erros de deficiente construção de passadeiras ou violação das regras de segurança (DN de 9.11.2007).

Portugal é o país da Europa ocidental onde morrem mais peões atropelados. Uma morte a cada três dias e 40% são atropelados nas passadeiras. Nos últimos cinco anos verificaram-se 25 mil atropelamentos de peões de que resultaram 527 mortos e 2.000 feridos graves, com lesões permanentes.

F. Ruas não pode ignorar isto, tanto mais que eu próprio, na sessão da Assembleia Municipal de 27.09.2010, no meu primeiro mandato de eleito pelo BE, apresentei uma “RECOMENDAÇÃO SOBRE O AUMENTO DE SEGURANÇA PARA PEÕES E CICLISTAS”, para o executivo adoptar as seguintes “medidas de prevenção, sensibilização e acalmia de tráfego” (…) “em conformidade com as recomendações do Plano Nacional de Prevenção Rodoviária, do último parecer do Comité das Regiões da UE sobre mobilidade urbana e com as medidas sugeridas às autarquias pela Semana Europeia da Mobilidade”:

1) “Redução do limite de velocidade para 30 km/h no centro histórico (…) e no Rossio, devidamente sinalizados como “Zona com Prioridade a Peões e Ciclistas” [Zona de coexistência – Artigo 78.º-A do Código da Estrada];

2) Estender progressiva e criteriosamente o limite de 30km/h a outras ruas do centro da cidade;

3) O atravessamento de peões em passadeiras sobrelevadas (ao nível do passeio, para comodidade geral, inclusive peões com mobilidade reduzida ou de cadeira de rodas), de modo a obrigar os condutores a reduzir a velocidade e a parar);

4) Nas avenidas e radiais onde o limite de velocidade for de 50 km/h o atravessamento pedonal deverá ser facilitado e protegido através de passadeiras com semáforos accionados pelos peões (…);

5) Desenvolver com as escolas e associações de encarregados de educação, com apoio da PSP e da Polícia Municipal, PLANOS DE MOBILIDADE ESCOLAR, com percursos seguros casa-escola-casa;

6) Construção de parques de estacionamento periféricos (nas entradas da cidade) ligados ao centro por mini-autocarros ecológicos (…);

7) Ecrãs electrónicos nas paragens de autocarros com indicação da hora da passagem do próximo autocarro ou mini-autocarro.

Os líderes dos restantes partidos (PSD, PS e CDS) manifestaram concordância com estas propostas,  mas todos levantaram objecções ao limite de velocidade para 30 km/h, com o transversal argumento de que é impossível impedir a transgressão de qualquer limite de velocidade pelos condutores. Ruas até deu o exemplo de um cidadão atropelado a 100 km/h num local onde o limite era de 50 km/h. Mas prometeu analisar as medidas e agir em conformidade. Noticiava o “Expresso”, em 13.07.2023: “Para evitar mortes por atropelamentos é necessário reduzir velocidades – e isso depende das autarquias”. Espanha, em 2021, a pedido dos autarcas, “reduziu o limite de velocidade para 30 km/h nas vias de faixa única e para 20 km/h em vias com espaço compartilhado, o que fez diminuir em 18% as mortes por atropelamentos, nas cidades, de pessoas com mais de 64 anos”.

Estudos como o do INEGI (Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto) mostram que num atropelamento a 70 km/h a morte é quase certa; a 50 km/h o risco de morte é de 60%; e a 30 km/h  95% dos peões sobrevivem, mas com lesões que podem ser graves.

Hoje já vemos algumas das medidas recomendadas pelo BE, há 14 anos, em algumas ruas de Viseu, mas muito limitadas e insuficientes, apesar da insistência da eleita do BE que me sucedeu.

As poucas passadeiras elevadas nas ruas do centro são meros simulacros (p.ex., em frente à Escola Alves Martins e ao Centro de Transportes) inúteis para “acalmia” de tráfego, e na Avenida da Europa e nas radiais carecem de piso colorido (visível a 30 metros, a 50 km/h, como as que há, p.ex., na estrada do Parque Industrial de Coimbrões); há passadeiras perto de curvas, pouco sinalizadas e pouco visíveis (p.ex. junto à Fonte Cibernética); a maior parte das luzes led nas passadeiras não funcionam; as “Zonas 30” estão limitadas a alguns bairros e ao Centro Histórico; os parques periféricos gratuitos quase desaparecem quando há feira semanal ou Feira de S. Mateus; as ciclovias ou são descontínuas ou sem canal bem separado dos peões (Av. Europa).

 

A autarquia pode e deve fazer muito mais pela segurança dos peões e dos ciclistas!

 

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Publicado em Opinião