Conheci a Margarida era ela aluna finalista na ESEN de Viseu, há mais de uma década e no decurso de um qualquer colóquio ou palestra, já nem sei.
Por volta de 2011, mais ano menos ano, enquanto director de um orgão de CS, ciente da qualidade da sua escrita, do rigor do seu pensamento e da lógica da sua análise, convidei-a para aí assinar a sua crónica semanal.
Os seus textos nunca desiludiram ou deixaram os seus leitores indiferentes. A sua inata curiosidade, auto-exigência e apurado sentido estético, acrescidos das referidas qualidades, concederam-lhe desde muito cedo o cunho da incipiente e primicial genialidade que a distinguia do comum.
Sempre pensei que a Margarida teria um futuro promissor ( o que quer que tal seja), aliando a sua criatividade à competência e ao rigor da análise, hermenêutica e não só, mãos dadas com a aturada pesquisa e a profícua investigação.
Perdi entretanto de vista a Margarida e agora, por mero acaso, vejo seu nome ligado ao seu filme de estreia, por ela realizado, “Deus-e-meio” (um título que se revê nela própria…).
A estreia ocorrerá no Festival Internacional de Cinema Curtas Vila do Conde, 2024, sendo a competição internacional a 19 de Julho, pelas 21H45m e a competição nacional, no dia seguinte, pelas 16H00.
A produção é de Luís Costa, André Guiomar, OLHAR DE ULISSES; a fotografia é de Miguel da Santa, Tiago Carvalho; a montagem é de Luís Costa, Margarida Assis, Tiago Carvalho; a música é de Daft Punk e o som de João Pedro Silva, Maurício D’Orey.
Excertos:
“Alguns tipos de relação sempre me interessaram. Por exemplo, entre pais e filhos ou entre professores e alunos. Já o par médico-paciente, um clássico em manifestações culturais que eu adoro, como o humor judaico, nunca me chamou a atenção. Deve ser porque normalmente vemos pouco os médicos, não aprofundamos muito as relações. Vamos lá, estamos vinte minutos na conversa – às vezes nus, é certo – e, com sorte, só os voltamos a ver daí a um ano ou dois. Não é uma figura que inspire muito desejo. Nem especial repulsa. Não o queremos, mas precisamos dele. Quem é que escolhe esta condição?!”
“Heráclito dizia que, se não fossem os gramáticos, os médicos seriam as pessoas mais estúpidas à face da Terra. Às vezes, porém, temos o azar de ter que conviver com um médico ao longo de vários meses. Ou até anos.”
“Há quem diga que as ruínas são um fétiche dos ocidentais. Tanto espaço gasto com mortos e vazios… O luxo do lixo. Eu adoro coisas inúteis, por isso não critico.”
“Está cientificamente comprovado pelo cinema que não há nenhuma diferença entre a memória e o futuro. Toda a gente sabe que os melhores alimentos da memória são o desejo e a fantasia, que escorregam e escapam e se infiltram nos lugares mais assépticos e sagrados, deformando-os e revelando-os como realmente são.”
Bio da realizadora:
Margarida Assis gosta de ver e mostrar cinema em salas de cinema, especialmente no Cine Clube de Viseu, onde tudo começou e continua. Nos últimos anos tem também feito cinema, escrevendo, dirigindo casting e actores, e, em 2022, tendo realizado a sua primeira curta-metragem, Deus-e-meio.
Além disto, tem-se dedicado a estudar, entre outras coisas, línguas mortas e vivas, literatura, e mais recentemente, Teatro e Performance no mesmo programa de doutoramento da Universidade de Columbia.