A César o que é de César

Os Açores que foram sítio de aportagem de revoltosos e centro de revoluções, que foram fraga de nascimento de vultos que fizeram o país da política e das letras, que deram vagas de emigrantes que se afirmaram trabalho e riqueza no outro lado do Atlântico, estavam a ficar para trás, esquecidos.

Tópico(s) Artigo

  • 11:58 | Quinta-feira, 20 de Junho de 2024
  • Ler em 3 minutos

Nem mesmo os açorianos se recordam das suas ilhas antes de 1996. Eram terras cinzentas, marcadas por uma visão estreita, limitadas pela mesquinhez que a religião católica impunha sobremaneira.

A liderança política era salazarenta, autoritária, negacionista da abertura a nova ideias que da Europa chegavam e do mundo implicavam as novas gerações.

Os Açores que foram sítio de aportagem de revoltosos e centro de revoluções, que foram fraga de nascimento de vultos que fizeram o país da política e das letras, que deram vagas de emigrantes que se afirmaram trabalho e riqueza no outro lado do Atlântico, estavam a ficar para trás, esquecidos.


Talvez o primeiro ocupante do Palácio de Sant’Ana tivesse pressentido, nesses anos de final da década de 1980, que o seu tempo já não era o do porvir e assim começou a mudança.

1996 foi mesmo o ano da liberdade.

Entre 1996 e 2012 não terá havido região insular da Europa que tenha conseguido um desenvolvimento transversal tão relevante como os Açores. Não que outras não tivessem tido um crescimento maior, não que outras não tivessem vivido, nesta ou outra área, relevância superior, mas o que interessa mesmo é ver o todo de uma estrutura de territórios que, situada onde está e com as caraterísticas que tem, tivesse partido de tão baixo e atingido lugares de relevo nos diversos rankings de análise.

Montar uma rede de saúde em tantas ilhas e fazê-la articular com o continente não terá sido coisa fácil; consolidar e desenvolver um sistema de educação, que não esquece nenhum dos que ali vivem, deve ter sido, deve continuar a ser, uma tarefa ciclópica. E nunca é demais lembrar que em 1996 que a região tinha uma escolaridade básica que se ficava no 9º ano, não existia pré-escolar público, nunca ninguém tinha tido qualquer apoio à sua situação de pobreza para além de uma esmola que era o abono de família.

 

E em todo o tempo, desde meados da década de 1990 até ao início da segunda década do século XXI, a agricultura modernizou-se, o turismo desabrochou como em nenhum outro lado, os serviços cresceram sempre acima de dois dígitos em cada decénio e foram ganhas apostas importantíssimas em novas e relevantes áreas da nova economia que se prende com o mar.

De 2012 até 2020, com a mudança de liderança regional, os Açores continuaram a navegar em águas calmas. Talvez tenham sido calmas em demasia e, por isso, não preveniram a chegada de uma pequena tempestade que, passados três anos, se transformou num quase soçobro.

Os poderes são assim. Carlos César foi, até hoje, a marca que fez a autonomia. Não porque tenha sido o primeiro, mas porque foi o maior.

O Partido Socialista foi o grande partido regional durante a maior parte do tempo em que a região viveu em democracia. No governo regional, nas autarquias locais, em algumas das mais importantes instituições, os socialistas fizeram-se elite e construíram uma forma de estar que deixou marcas. Mas como em tudo, importava uma profunda renovação a partir do território e não só a partir do poder. Importava um Novo Futuro.

Esta semana, Francisco César apresentou a sua candidatura a Presidente do Partido Socialista dos Açores. Era tão inevitável como o era a de seu pai na década de 1980.

Ambos respiram açorianismo, ambos se sufragam no pedigree republicano que por aquelas ilhas é essencial. Ambos são intuitivos e inteligentes, obstinados e duros, ambos são bem relacionados e ponderados.

Francisco César vai iniciar a sua caminhada para ganhar os Açores. No caminho irá vendo o que importa fazer para o conseguir, mas não deixará de ser ele a construir e a liderar o novo futuro de esperança.

Qual é o seu ponto forte que é, ao mesmo tempo o seu ponto fraco, quase uma espécie de círculo implicativo? O de ser quem é! O grande ataque não vai ser à sua inteligência, à sua preparação, à sua verticalidade, à sua determinação. O ataque vai ser ao facto de ser filho de quem é.

Para isso, nada há a fazer que não seja sentir o muito orgulho por seu pai e pelo que este fez pelos Açores. Para isso nada mais há do que assumir a utopia de sempre e que se chama – Açores.

Ascenso Simões

 

Gosto do artigo
Palavras-chave
Publicado por
Publicado em Opinião