Como nenhuma outra desde o 25 de abril de 1975, a votação de ontem foi a que melhor definiu o nosso quadro de mentalidades associado ao quadro político.
Por muitas razões, partes delas agregadas às realidades municipais, o espaço salazarista, ultramontano e ultraconservador esteve sempre muito pousado entre os partidos do sistema situados à direita e o Partido Comunista.
Trata-se de um quadro mental em que quem mete uma cunha e dela beneficia acha que os outros são corruptos, quem tem algum poder é sempre motivo de inveja e de combate. Esse eleitorado é, em Portugal, muito semelhante ao do VOX franquista em Espanha.
Esse eleitorado espalha-se pelo país interior com uma percentagem muito significativa, até porque as elites políticas locais, dependentes dos municípios, olham cada vez mais para a manutenção do seu poder e menos para os mais marginalizados e abandonados.
Soma-se, ainda, uma massa jovem para quem o 25 de Abril é uma conquista distante, o que conta é a sua realidade de insegurança e ausência de futuro, de salários baixos e quase nenhuma realização pessoal.
Ora, perante tudo isto, o que aconteceu foi uma coisa simples – o Chega é um agrupamento que recebe os votos das manifestações comunistas, que fala o que o bloquistas deixaram de falar, que capta votos da AD porque esta não terá a dureza contra o sistema que deveria. Mas também recebe, para além dos muitos que se transferiram do PS para a AD, uma parte muito significativa de votos na mãozinha que não gostaram da governação, que odeiam a ausência de ordem e autoridade, que acham que os casos conhecidos são a mais elevada degeneração dos dominadores.
Esta foi a grande novidade da noite eleitoral.
E como foi vilipendiado esse líder, como o trataram negando-lhe dignidade e honorabilidade… Uma vergonha!
Ao situar-se nos 30% de votos, com uma esquerda à sua esquerda pequena e pulverizada, poderá não ser daí que virá a construção de uma governação ou uma alternativa. O PS do punho erguido e estilizado da campanha, qual Che em Cuba da década de 1950, foi inumado ontem.
É esta nova e exigente circunstância que se impõe uma nova vida.
A primeira decisão que o PS tem de tomar, já na primeira reunião dos órgãos do Partido, é escolher o cabeça de lista ao Parlamento Europeu. Pelo resultado de hoje só há um nome possível – António Costa.
Mas não foi Costa um dos responsáveis pela situação em que estamos? Claro que tem responsabilidades, mas há um, em Belém, que não descansou enquanto não arrumou com a maioria absoluta. Não houve um único dia em que estivesse calado, não houve hora em que não marcasse o Governo, não houve segundo em que não conjeturasse como matar a Constituição da República.
E Costa faz bem em ser candidato? Não será melhor ficar para poder ser a escolha para Presidente do Conselho Europeu?
Ninguém sabe como vão ficar os resultados das eleições europeias, ninguém sabe como se vão equilibrar as famílias políticas, ninguém antecipa como se vão comportar os países do leste perante o jogo dos quatro lugares principais. Mas não se pode esquecer que quem estará no Palácio das Necessidades em Portugal não será o PS. Ou seja, candidato ao PE não elimina qualquer possibilidade de outros voos, antes os amplia.
A segunda decisão será a da viabilização do programa do Governo. Não há qualquer novidade sobre esta questão, ela foi tratada logo no início da campanha. Mas tal não pode permitir que se antecipe qual a posição do PS sobre as grandes questões da governação, em especial os Orçamentos do Estado. O PS é a alternativa, não a bengala.
A quarta decisão é a da prioridade às eleições autárquicas. Temos hoje uma nova realidade eleitoral nacional, mas não podemos esquecer que o PS é um grande partido do poder local e importa que continue a ser. A associar à realidade nacional há, ainda, o número de presidentes que vão deixar de o ser pela limitação de mandatos e essa realidade é preocupante.
A quinta decisão, de grande monta, é a da renovação do PS. Os socialistas devem fazer uma análise das suas experiências governativas desde 1995. Todas mesmo!
Para isso, a direção nacional não pode ser só de companheiros de viagem, deve ser inter-geracional, com diferentes competências e profissões na vida civil, com diversas interpretações da realidade dual portuguesa.
E o que é essa realidade dual? A divisão entre norte e sul, entre interior e litoral, entre pessoas que estudaram na escola pública e as que estudaram na escola privada, entre os amigos das cliques universitárias e das saídas noturnas das grandes cidades e os excelentes quadros que vivendo em cidade pequena nunca serão conhecidos.
O PS construiu a democracia, garantiu a nossa entrada na União Europeia, alargou a escolaridade obrigatória, criou os cuidados de saúde universais, transformou a ciência e a inovação. Mas o PS não provou completamente nas questões da transparência, não teve cuidado com a ordem, não soube estar sempre à altura da qualidade na arte de governar. Esses pecados devem ser analisados e estar bem presentes para o momento em que voltaremos a estar em eleições. Nessa altura teremos de ser um partido moderado, previsível, amigo, alegre, de bem com a vida, integrador, cuidadoso e ambicioso. Para esta grande tarefa todos os socialistas estão convocados.
Ascenso Simões