Refugiados…

Países pobres, em guerra, fundamentalistas, sem direitos humanos, fornecem a massa humana em fuga da desgraça, da paz e de uma vida melhor. Como criticá-los, no conforto da nossa existência? Vêm à procura do pão nosso de cada dia, a fugir das guerras e da miséria. Nos países que os acolhem (?) tornam-se numa mão-de-obra barata, os novos explorados, os escravos do século XXI, os apodados “perigos públicos”, os “focos de insegurança, de criminalidade”, da "bestialidade".

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  • 20:52 | Terça-feira, 26 de Dezembro de 2023
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A apreensão degenerada em pavor com o número crescente de refugiados (sensu lato) que chegam quotidianamente aos países europeus não é um assunto despiciendo para os cidadãos conscientes, sendo até para a extrema-direita populista (passe o pleonasmo) o maior trunfo no apelo sistemático ao voto dos seus concidadãos, após inculcarem neles o pânico e passarem à manipulação despudorada, com campanhas de (des)informação urdidas em torno da psicologia de massas, num marketing bem oleado para gerar no colectivo a angústia e a perturbação suficientes para dar crédito aos discursos messiânicos da desgraça.

E porém, é certo e sabido que a Europa comunitária, a 28 vozes, não se entende nesta matéria e, nesta perigosa indecisão e pendularidade, não é capaz de encontrar soluções válidas para esta magna crise.

Os fluxos migratórios não são novos. Agamben, G. *, refere a esta propósito :


“O primeiro surgimento dos refugiados como fenómeno de massas ocorre no fim da Primeira Guerra Mundial, numa altura em que a queda dos impérios russo, austro-húngaro e otomano e a nova ordem criada pelos tratados de paz subvertem profundamente a arrumação demográfica e territorial da Europa central e oriental. Em pouco tempo, deslocam-se dos seus países 1.500.000 russos brancos, 700.000 arménios, 500.000 búlgaros, 1.000.000 de gregos, centenas de milhares de alemães, húngaros e romenos.”

 

 

Só nestes números, grosso modo, temos mais 5 milhões de refugiados. Porém, os números do século XXI aparecem com novas realidades, planetariamente alargados.

Na Europa, o Afeganistão, a Síria, a Sérvia, a Bósnia, a Albânia, a Ucrânia, a Palestina… são os países de onde a maioria dos refugiados é oriunda, mas há um lote de três países que, a nível mundial, congrega 67% : a Síria com 6.5 milhões, o Afeganistão e a Venezuela com 5.2 milhões cada. 

Na Europa, se lhe juntarmos 247 mil sudaneses do sul refugiados na Etiópia, 245 mil somalis e 99 mil eritreus, o número expande-se. Juntemos-lhe agora os palestinos…

O crescimento demográfico, neste intervalo de um século, não justifica por si só este aumento face ao anteriormente referido, antes as bárbaras convulsões, a miséria e a guerra, como é o paradigmático caso do conflito Russo-Ucraniano, com cerca de 7.3 milhões de saídas registadas da Ucrânia e somente  2.3 milhões de regressados ao país.

 

 

No continente americano, nos últimos anos, o número de refugiados já ultrapassou os 20 milhões. Chamam-lhe “crise migratória”. Vêm dos países pobres ou “politicamente disfuncionais” (passe o eufemismo) e apontam aos EUA e ao Canadá, principalmente vindos do México, Colômbia, Venezuela, Argentina, El Salvador, Cuba… etc.

Os EUA têm no total 47 milhões de imigrantes, segundo dados de 2015. Perto de 12 milhões estão ilegalmente no país.

Fechar as fronteiras é uma solução de recurso, de emergência, talvez a mais fácil, a curto prazo, a mais difícil e eficaz a longo prazo é criar nos países de onde saem (como ingerir?), as condições para permanecerem: melhoria das condições de vida, paz social, igualdades de direitos entre géneros, respeito pelos direitos humanos, fim das guerras… porém, tal cenário assemelha-se, perante a realidade emergente, a uma ficção, uma mera utopia.

O recuo demográfico e a riqueza dos países alvo dos refugiados – aqui, discernir refugiados de exilados, de imigrantes, de apátridas, et al… acrescentaria novas pistas para a solução desta crise (ou não…). Países pobres, em guerra, fundamentalistas, sem direitos humanos, fornecem a massa humana em fuga da desgraça, da paz e de uma vida melhor. Como criticá-los, no conforto da nossa existência? Vêm à procura do pão nosso de cada dia, a fugir das guerras e da miséria. Nos países que os acolhem (?) tornam-se numa mão-de-obra barata, os novos explorados, os escravos do século XXI, os apodados “perigos públicos”, os “focos de insegurança, de criminalidade”, da “bestialidade”.

Se vencer as eleições presidenciais de 2024, o candidato conservador da ultra-direita Donald Trump, na sua xenofobia desenfreada, promete ao seu eleitorado deportar milhões de imigrantes, criar significativas dificuldades à entrada de novos imigrantes e criar campos de detenção.

 

Assim dito, este puro descendente de imigrantes, como quase toda a população norte-americana, esquece as origens, põe de lado o recuo demográfico existente internamente e cria um paraíso de arianos. Adolfo Hitler também o quis e foi mais além da deportação, com o extermínio em massa. Acabou por se suicidar…

 

*       “Para lá dos direitos do homem”, Antígona, 2021

 

(Fotos DR)

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Publicado em Opinião