Filhos do diabo

Tivéssemos nós um outro mapa administrativo do país, tivéssemos nós desconcentração dos serviços públicos, tivéssemos nós melhores hospitais e mais médicos e enfermeiros no SNS, sem obscenas listas de espera para consultas e cirurgias, tivéssemos nós uma melhor escola pública e professores para todos os alunos, desde o primeiro dia de aulas, tivéssemos nós uma justiça mais célere e prisões mais humanizadas, tivéssemos nós planeamento e boa execução das infraestruturas públicas, tivéssemos nós pensões decentes para milhares de idosos que trabalharam uma vida inteira, tivéssemos, em suma, um Estado que funcionasse, e poucos reclamariam dos impostos.

Tópico(s) Artigo

  • 16:23 | Segunda-feira, 06 de Novembro de 2023
  • Ler em 2 minutos

De Janeiro a Setembro, o governo arrecadou 13 milhões de € por dia. Para este valor, contribuiu o aumento das contribuições à Segurança Social, 11.2%, do IRS, 12.1 €, ambos em função do bom desempenho dos níveis do emprego, e do IVA, 7.9%, empurrado pela inflação.

As receitas do IRS e do IVA registam um forte aumento nas contas públicas. Na globalidade, a receita fiscal fixou-se nos 47.944 Milhões €, um aumento percentual de 7.8, a que correspondem mais 3.458 € do que no mesmo período do ano passado.

É esta receita, combinada com a despesa, que nos leva ao tão exaltado excedente de 7.267 Milhões de €, mais 1.657 € do que nos primeiros nove meses do ano transacto.


 

Seria bem melhor que as contas certas se alcançassem pela diminuição da rubrica da despesa corrente que, ao invés, continuou a crescer. Melhorarem as contas públicas à custa do desequilíbrio dos orçamentos familiares, não é boa solução. Melhorarem as contas públicas à boleia da sobrecarga fiscal, não é grande trabalho. Melhorar a saúde do Orçamento do Estado com a doença das contas familiares, não é exercício que se recomende.

Como dizia há pouco, António Mendonça, Bastonário da Ordem dos Economistas, mesmo admitindo o aumento dos impostos, a questão nuclear não está no problema fiscal, mas na total falta de correspondência entre o que pagamos de impostos e os benefícios sociais de que usufruímos. Nesta equação, há um gritante défice de benefícios, daí a enormíssima injustiça dos impostos que todos os anos nos esmagam e nos deixam a viver sem esperanças.

Tivéssemos nós um outro mapa administrativo do país, tivéssemos nós desconcentração dos serviços públicos, tivéssemos nós melhores hospitais e mais médicos e enfermeiros no SNS, sem obscenas listas de espera para consultas e cirurgias, tivéssemos nós uma melhor escola pública e professores para todos os alunos, desde o primeiro dia de aulas, tivéssemos nós uma justiça mais célere e prisões mais humanizadas, tivéssemos nós planeamento e boa execução das infraestruturas públicas, tivéssemos nós pensões decentes para milhares de idosos que trabalharam uma vida inteira, tivéssemos, em suma, um Estado que funcionasse, e poucos reclamariam dos impostos.

O capital de queixa baixaria significativamente por uma razão elementar: todos víamos onde eram aplicados os impostos, os dinheiros de todos nós.

Como não gozamos de nenhuma das vantagens que enunciei, fica-nos a tenebrosa sensação de estarmos a ser enganados, a frustração de, por mais voltas que demos à cabeça, não entendermos porque é que tão de mau repetidamente nos acontece.

Resta-nos acreditar que somos filhos do diabo. Ou enteados dos nossos “pais”, tanto fez como faz…

Gosto do artigo
Palavras-chave
Publicado por
Publicado em Opinião