Cláudio Torres nasceu em Tondela, em 11.01.1939. É filho do historiador Flausino Torres, autor de uma “História Contemporânea do Povo Português”, “O Mundo Mediterrânico do século XII a.C. ao século III d.C.”, Edições Cosmos, 1946, e “Portugal: uma perspectiva da sua História”, 1970, entre outras obras que punham o povo no centro da História, numa perspectiva marxista que haveria de provocar o seu despedimento do Colégio Tomás Ribeiro, de Tondela, em 1961, a prisão pela PIDE e o exílio em Argel.
Em 1967, Flausino juntou-se a Cláudio, em Bucareste (que ali também se encontrava exilado), antes de se fixar em Praga como docente numa universidade. Ambos acabariam por se afastar do PCP por discordarem da invasão da Checoslováquia pelo Pacto de Varsóvia, sem nunca abandonarem os ideais marxistas (Cláudio foi fundador do Bloco de Esquerda). Se me alonguei na memória do pai, foi pelo paralelismo entre as duas vidas: ambos historiadores, anti-fascistas, perseguidos pelos seus ideais marxistas e comunistas, presos (Cláudio sofreu, sem falar, a tortura da estátua durante 20 dias, 9 dias seguidos e dois períodos de 3 e 7 dias e noites sem dormir), exilados e ambos estudiosos da civilização mediterrânica.
Foi precisamente pelo estudo e divulgação das civilizações do mundo mediterrânico e da presença islâmica no Gharb do Al-Andaluz que Cláudio Torres se notabilizou em Portugal e internacionalmente. E não deve ter sido estranho a este desígnio, tanto a herança intelectual paterna como a odisseia (registada na mini-série documental, passada na RTP, “Cláudio Torres – Arqueologia de uma Vida”) da fuga à guerra colonial num barquito com cinco metros até Marrocos, na companhia da mulher, Manuela Barros, colega das Belas-Artes do Porto, e de mais cinco pessoas.
Fundador (em 1978) e Director do Campo Arqueológico de Mértola, fundador e director da revista “Arqueologia Medieval”, autor de “O Gharb al-Andaluz” in História de Portugal (Vol.I), 1992 (direcção de José Mattoso), Círculo de Leitores; “A arte islâmica no Ocidente Andaluz” (em colaboração), 1995 in História da Arte Portuguesa (direcção de Paulo Pereira), “O Legado Islâmico em Portugal (em colaboração) 1998, Círculo de Leitores, entre outras publicações, Doutor “honoris causa” pela Universidade de Évora (2001), director do Parque Natural do Vale do Guadiana, entre 1996 e 2002 (data da sua reforma), distinguido com o prémio Sísifo pela Universidade de Córdoba, com o Prémio Pessoa 1991, com o Prémio Nacional Memória e Identidade, atribuído pela Associação Portuguesa dos Municípios com Centro Histórico, Cláudio Torres foi também o primeiro português representado no Comité Permanente do Património Mundial da UNESCO.
A par de Cláudio Torres foram também premiados outros três projectos portugueses, de entre 30 apresentados por 21 países: o “Projecto Almada”, na categoria “Desenvolvimento e sensibilização dos cidadãos”, pela conservação e divulgação pública de 5 murais de Almada Negreiros; “Conservação e Restauro do Tecto Mudéjar da Sé do Funchal, com 1.500 m2, obra-prima do nosso património ocultada pelo acumular do fumo de velas e de poeiras ao longo de 500 anos; e, na categoria “pesquisa”, o projecto de Salvaguarda da “Arte-Xávega, um dos últimos exemplares de técnica de pesca artesanal e sustentável na União Europeia, praticada na praia da Tocha, e também em Málaga (“jábega”) e Marrocos (“xávega” deriva do árabe “xábaka”, rede de pesca).
Curiosamente, estes três últimos projectos portugueses premiados estão ligados à presença da civilização árabe e islâmica em Portugal, durante quase seis séculos, ou mais, se considerarmos que, como nos ensina Cláudio Torres, a chamada “reconquista cristã” é um mito, porque “Felizmente houve uma zona mais ao sul, o Algarve, onde os camponeses praticamente ficaram todos, a cultivar as terras em grandes herdades de novos senhores. Só foram expulsos os [árabes e berberes] ricos”.
Da mesma forma que não houve propriamente uma invasão árabe/berbere armada da Península, mas antes uma entrada do Islão através do comércio, das trocas, uma vez que o Mediterrâneo nesse tempo não era, como agora, um fosso instransponível, mas antes uma ponte franca onde os povos de ambas as margens trocavam mercadorias, ideias, crenças e ciência.
Cláudio Torres também desmonta a narrativa histórica da “conquista de Lisboa aos mouros por D. Afonso Henriques”, considerando que o que houve foi a conquista de uma cidade com uma maioria de população ainda cristã monofisista, com alguns convertidos ao Islão (muládis) devido aos contactos com os portos do Mediterrâeo, Alexandria, Tunísia e Oriente. D. Afonso Henriques tomou Lisboa aos cristãos moçárabes e matou o bispo cristão, reconhecido pelo Papa, que defendia os moradores.
Note-se que o júri deste prémio, segundo o comunicado do Centro Nacional de Cultura que representa Portugal na rede Europa Nostra, justificou a sua atribuição a este “Campeão do Património” por reconhecer “as práticas pedagógicas envolvendo activamente a comunidade local na salvaguarda e conservação do património”.“Como construtor de pontes entre as culturas islâmicas e cristã, Cláudio Torres teve um papel decisivo em promover o entendimento e a conservação da herança islâmica em Portugal que é de extrema importância para o património cultural europeu”. “Cláudio Torres já tinha podido constatar, enquanto professor de História Medieval na Universidade de Lisboa, que a duradoura presença islâmica no território português não estava devidamente reflectida na historiografia”.
Uma amiga minha, tunisina, a trabalhar em Portugal, estranhou que tendo o nosso país tantos vestígios da arte e da cultura islâmica, não estejam devidamente reconhecidos e valorizados e deu conta desse lamento em e-mails enviados a organismos que tutelam o Património e a Cultura, sem obter resposta.
Em Viseu, também a Cava (chamada erroneamente de Viriato), o maior monumento da Península Ibérica, poderá estar a ser vítima deste revisionismo histórico, quando o município retira as placas identificativas, ali colocadas por arqueólogos que atribuíam a sua construção, seguindo as teses de Vasco Mantas e de Helena Catarino, a Almançor (Al-Mansur) que teria mandado construir aquela enorme fortificação octogonal, em terra, rodeada de um fosso, para proteger os 25 mil homens que o seguiam a caminho da razia de Santiago de Compostela (com o apoio de nobres cristãos das Beiras que ajudaram ao saque), substituindo-as por outras placas a atribuírem a autoria da Cava a Ramiro II, como cidade áulica (para ostentar poder!?), que a terá deixado inacabada ao desistir de fazer de Viseu capital do seu reino (chegou a declarar-se “Rex Portucalensis”, em 925) para assumir a corte de Leão, após a morte de seu irmão Afonso IV. Estranha-se a facilidade com que se mudam placas identificativas e explicações históricas, quando os próprios autores desta tese, Manuel Luís Real e Catarina Tente, no artigo “A Cava de Viriato (Viseu) – novos dados e interpretações”, publicado na obra “Do Império ao Reino – Viseu e o território entre os séculos IV a XII”, com textos seleccionados do congresso com o mesmo nome, organizado pelo Município de Viseu e o Instituto de Estudos Medievais, em Abril de 2016, reconhecem que “A Cava continua a ser um dos grandes mistérios da arqueologia portuguesa”. “(…) os dados da arqueologia, até agora obtidos, não são suficientes para se retirar qualquer conclusão definitiva.”
Não seria mais honesto para os viseenses e para quem nos visita, referir as várias teses sobre a origem da Cava até termos provas definitivas?…Como me disse um dia o grande viseense José Madeira, “com a História não se brinca!” Cláudio Torres confirma-o!
(Fotos DR)