Os professores têm razão?

O PS, agora no governo com um líder que conhece bem as agruras da vida docente, não pode perder esta oportunidade para refazer a relação com os professores, para repensar a sua carreira, para lhes retirar a carga desnecessária que lhes colocaram em cima.  

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  • 22:11 | Quinta-feira, 12 de Janeiro de 2023
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Já haverá poucas pessoas na política ativa que tenham memória da importância dos professores na construção da nossa democracia. Foi na escola que nasceram muitos dos políticos que, desde as primeiras eleições livres até ao início deste século, construíram a democracia local, dinamizaram os debates públicos, construíram uma cultura de participação e de autonomia nas comunidades.

Um olhar para os candidatos a presidentes dos municípios, nas primeiras três eleições autárquicas, diz muito da importância dessa classe profissional. Cavaco Silva, mais tarde, veio a estruturar as carreiras docentes com regimes de formação em serviço, de valorização profissional e, até, de aposentação antecipada, que o ajudaram, sobremaneira, na conquista das suas maiorias.

O Partido Socialista foi um dos grandes beneficiários dessa massa criativa, que eram os professores, até ao final do século XX. Os seus grupos parlamentares sempre tiveram muitos professores que ajudavam a leituras modernas da escola e da comunidade, que faziam com que se respirasse a esperança de uma sociedade melhor através de um sistema de ensino verdadeiramente democrático.

O XVII Governo Constitucional de que fiz parte, minorou essa ligação do PS aos professores. Sempre o lamentei, no Governo e no Secretariado Nacional do PS que integrava também nessa altura.


A gestão errante do processo de avaliação que, aparentemente sem premeditação, foi levada a cabo numa perspetiva de se opor a classe docente ao geral dos trabalhadores portugueses, através de um ardil onde o “ciúme” pelos horários reduzidos e pelas carreiras automáticas seria utilizado à exaustão, indica-nos o momento que toldou o trilho comum de três décadas.

 

Seguiram-se as decisões que transformaram os docentes em mangas de alpaca e a concretização de um modelo de gestão das escolas que poderia ser ótimo em qualquer país do norte da Europa, mas que, em Portugal, esbarra no caudilhismo municipal e no amiguismo partidário. Uma análise nacional, neste dia em que escrevo, comprova que numa grande maioria dos municípios os diretores das escolas e agrupamentos nascem do interesse e das limitações do poder local.

É claro que a universalização da educação levou, igualmente, a uma perda de qualidade do ensino. Seria inevitável essa perda. Mas é também verdade que os resultados escolares se vieram a agregar (degradar) ao desenvolvimento das comunidades, ao afastamento dos centros de decisão e à fuga dos melhores para o litoral ou para as cidades com dimensão. No mesmo sentido se verificaram processos de marginalização das escolas em algumas zonas das áreas metropolitanas, o que fez estancar a mobilidade social que se verificou nas décadas seguintes à Revolução.

A estrutura de castas que se vem criando, numa primeira etapa a partir dos colégios privados e depois a partir de uma viagem no ensino superior de pequenos grupos que chegam ao poder, faz com que o ensino público desmereça e que tenha deixado de estar no centro das opções políticas dos grandes partidos. Tratar dos assuntos dos professores foi/é, como Nuno Crato bem demonstrou, uma imensa chatice.

A educação é um universo que deve estar agregado ao princípio da subsidiariedade. Mas há um limite – o recrutamento dos professores é o que vai permitindo uma escola livre, aberta ao mundo e implicante das obrigações societais. Há uma coisa que eu sei bem – no dia em que os professores forem escolhidos pela simpatia dos políticos locais, essa abertura ao mundo reduzir-se-á por implicação dos movimentos conservadores e tradicionalistas. Em muitos concelhos é muito difícil, a muitos jovens, viverem a sua realidade sexual íntima, ainda hoje. Nessa altura será praticamente impossível. As crianças de Famalicão multiplicar-se-ão.

Há quase uma década que se anunciava o grave problema da falta de professores em alguns grupos. Entramos, este ano, na tal nuvem cinzenta que os Diretores elegeram como marca do presente ano letivo. O país fez muito pouco, estamos a fazer ainda muito pouco.

Portugal contínua a assistir, todos os anos, à colocação de professores a centenas de quilómetros da sua residência. É uma vergonha, para a máquina obesa do Ministério da Educação, o que se passa quando vivemos numa sociedade onde a inteligência artificial começa a dar cartas. Se os quadros de escola não resolvem, se estamos a progredir para espaços supramunicipais, que seja o Ministério da Educação a usar colocações de dupla entrada, classificação nacional e local de residência. Até um Excel bem feito ajuda…

Mas o país continua, também, a ver as escolas com modelos de estruturação interna da década de 1960. Na escola há a direção, a sala dos professores e a secretaria, ou seja um paradigma de organização ultrapassado. Os professores fazem reuniões, grelhas, atas, reportes e muitos mais procedimentos, tudo aos montes, como no tempo do papel químico. Estão exaustos por tratarem do que deles não deveria depender.

Estão, de igual forma, cansados de um modelo de avaliação que poucos entendem e que não cumpre as obrigações do Estado perante os seus ativos profissionais e dependem, cada vez mais, de químicos para fazerem frente à progressiva implicação na saúde mental que este tempo instável de docência lhes implica.

Por último a carreira. O modelo que foi imposto a partir de 2006, e validado em 2012, mesmo tendo sido melhorado nos últimos anos, é o da cristalização da carreira e tal situação não pode continuar. A forma de acesso aos 5º e 7º escalões não é concebível no tempo presente, a ambição dos últimos escalões é uma miragem, mesmo com a ampliação do tempo de serviço obrigatório para a aposentação.

O PS, agora no governo com um líder que conhece bem as agruras da vida docente, não pode perder esta oportunidade para refazer a relação com os professores, para repensar a sua carreira, para lhes retirar a carga desnecessária que lhes colocaram em cima. Esse conhecimento profundo de António Costa do setor da educação alimenta-me a esperança de novas e negociadas soluções.

Ascenso Simões

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Publicado em Opinião