Já haverá poucas pessoas na política ativa que tenham memória da importância dos professores na construção da nossa democracia. Foi na escola que nasceram muitos dos políticos que, desde as primeiras eleições livres até ao início deste século, construíram a democracia local, dinamizaram os debates públicos, construíram uma cultura de participação e de autonomia nas comunidades.
Um olhar para os candidatos a presidentes dos municípios, nas primeiras três eleições autárquicas, diz muito da importância dessa classe profissional. Cavaco Silva, mais tarde, veio a estruturar as carreiras docentes com regimes de formação em serviço, de valorização profissional e, até, de aposentação antecipada, que o ajudaram, sobremaneira, na conquista das suas maiorias.
O XVII Governo Constitucional de que fiz parte, minorou essa ligação do PS aos professores. Sempre o lamentei, no Governo e no Secretariado Nacional do PS que integrava também nessa altura.
A gestão errante do processo de avaliação que, aparentemente sem premeditação, foi levada a cabo numa perspetiva de se opor a classe docente ao geral dos trabalhadores portugueses, através de um ardil onde o “ciúme” pelos horários reduzidos e pelas carreiras automáticas seria utilizado à exaustão, indica-nos o momento que toldou o trilho comum de três décadas.
Seguiram-se as decisões que transformaram os docentes em mangas de alpaca e a concretização de um modelo de gestão das escolas que poderia ser ótimo em qualquer país do norte da Europa, mas que, em Portugal, esbarra no caudilhismo municipal e no amiguismo partidário. Uma análise nacional, neste dia em que escrevo, comprova que numa grande maioria dos municípios os diretores das escolas e agrupamentos nascem do interesse e das limitações do poder local.
É claro que a universalização da educação levou, igualmente, a uma perda de qualidade do ensino. Seria inevitável essa perda. Mas é também verdade que os resultados escolares se vieram a agregar (degradar) ao desenvolvimento das comunidades, ao afastamento dos centros de decisão e à fuga dos melhores para o litoral ou para as cidades com dimensão. No mesmo sentido se verificaram processos de marginalização das escolas em algumas zonas das áreas metropolitanas, o que fez estancar a mobilidade social que se verificou nas décadas seguintes à Revolução.
A educação é um universo que deve estar agregado ao princípio da subsidiariedade. Mas há um limite – o recrutamento dos professores é o que vai permitindo uma escola livre, aberta ao mundo e implicante das obrigações societais. Há uma coisa que eu sei bem – no dia em que os professores forem escolhidos pela simpatia dos políticos locais, essa abertura ao mundo reduzir-se-á por implicação dos movimentos conservadores e tradicionalistas. Em muitos concelhos é muito difícil, a muitos jovens, viverem a sua realidade sexual íntima, ainda hoje. Nessa altura será praticamente impossível. As crianças de Famalicão multiplicar-se-ão.
Há quase uma década que se anunciava o grave problema da falta de professores em alguns grupos. Entramos, este ano, na tal nuvem cinzenta que os Diretores elegeram como marca do presente ano letivo. O país fez muito pouco, estamos a fazer ainda muito pouco.
Mas o país continua, também, a ver as escolas com modelos de estruturação interna da década de 1960. Na escola há a direção, a sala dos professores e a secretaria, ou seja um paradigma de organização ultrapassado. Os professores fazem reuniões, grelhas, atas, reportes e muitos mais procedimentos, tudo aos montes, como no tempo do papel químico. Estão exaustos por tratarem do que deles não deveria depender.
Estão, de igual forma, cansados de um modelo de avaliação que poucos entendem e que não cumpre as obrigações do Estado perante os seus ativos profissionais e dependem, cada vez mais, de químicos para fazerem frente à progressiva implicação na saúde mental que este tempo instável de docência lhes implica.
O PS, agora no governo com um líder que conhece bem as agruras da vida docente, não pode perder esta oportunidade para refazer a relação com os professores, para repensar a sua carreira, para lhes retirar a carga desnecessária que lhes colocaram em cima. Esse conhecimento profundo de António Costa do setor da educação alimenta-me a esperança de novas e negociadas soluções.
Ascenso Simões