A nódoa

As câmaras não têm vocação, quadros ou competências para assumirem tamanha responsabilidade. E demorarão anos a adquiri-los. Além de corrermos o sério risco de as vermos transformadas numa agência de empregos de amigos, seguidores e outros apêndices. E com isso recursos e contra-recursos a arrastarem-se no tempo e a atrasarem o início do ano lectivo. Daí até as direcções das escolas serem extensões, repartições, das câmaras vai um passo de caracol.

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  • 12:46 | Segunda-feira, 19 de Dezembro de 2022
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Anuncia-se que a contratação dos professores vai passar para a responsabilidade das câmaras municipais. É mau demais para ser verdade, e não cabe na cabeça de alguém que queira tratar questões desta natureza de forma séria e responsável. Não tem jeito, nem entendo a razão que pode sustentar tão esdrúxula pretensão. Só se o governo, mesmo tendo a máquina oleada, pretender afastar-se de matéria sempre atritiva e desgastante.

A justificação de que tudo o que for resolvido a nível local é melhor, é uma desculpa tonta e infantil. Até pode acontecer, mas não é regra. Parece-me que os concursos devem ser nacionais, regulados por uma entidade nacional, segundo critérios universais, distante de proximidades, que podem tornar as águas límpidas num lodo desagradável.

 


 

As câmaras não têm vocação, quadros ou competências para assumirem tamanha responsabilidade. E demorarão anos a adquiri-los. Além de corrermos o sério risco de as vermos transformadas numa agência de empregos de amigos, seguidores e outros apêndices. E com isso recursos e contra-recursos a arrastarem-se no tempo e a atrasarem o início do ano lectivo. Daí até as direcções das escolas serem extensões, repartições, das câmaras vai um passo de caracol.

Sem o dizer, o governo está a construir um campo perigoso, onde medrarão os favores, os amiguismos e compadrios. A ter que ser, manda o tino que às autarquias caiba apenas a gestão do parque escolar e, no limite, a do pessoal. As câmaras já têm poderes que cheguem, dêem-lhe meios para os levar à prática.

Acossado, e perante a manifestação poderosa dos professores, o dr. João, em linguagem pouco polida, arte que, de todo, não sabe manejar, vem dizer que são boatos que correm nas redes sociais.

Seja lá o que for, parece-me que recrutamento municipal, nem pensar. É um retrocesso. O Estado que se aperfeiçoe e não se desfaça do que, por direito, é seu. E que se preocupe com a precariedade do emprego da classe docente, com a perda de autoridade e de estatuto social dos professores. Isso sim, seria obra que deixaria marca. Se o fizer, já tem boa sarna com que se coçar. Mas como cabe ao governo ter uma visão integrada do país, presumo que, se avançar com esta diatribe, a breve trecho, o mesmo igualmente se venha a passar com os médicos, os juízes e as forças de segurança.

Eu sei bem que este meu ponto de vista pode ser uma batalha perdida, mas também sei que as mais das vezes os vencedores ganham apenas porque têm o poder nas mãos e a maioria na algibeira. Basta isto para não me sentir triste, apenas estupefacto com tanto descaramento e incompetência.

Ainda no activo, lembro-me de alguns colegas elogiarem muito este ministro, quando era segunda figura. A mim, sempre me pareceu absolutamente impreparado. Uma nódoa. Que deixa o nome ligado a uma medida que é uma perfeita e acabada estupidez. Uma versão “light” da Lurdinhas, a mísera e inicial cangalheira de uma profissão digna.

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Publicado em Opinião