Quando, em 2005, chegámos ao Governo, ainda assistimos à substituição acelerada, nas instituições europeias e nos espaços internacionais, do falar francês pela avassalante língua técnica em que uma espécie de inglês bastardo se foi assumindo como palavreado.
Antes dessa nossa experiência, desde 1995 e nas relações entre parlamentos, o francês idioma era comum. Por isso, não foi graciosa a transmutação linguística entre os dois universos consecutivos da ação política.
Nós, que havíamos começado a falar francês aos três anos, que sabíamos o Frére Jacques em sentido inverso, resistimos no transpor para aquela coisa que não tinha tempos verbais, que se revelava na ausência de articulações, circunstância que deve ter dado uma trabalheira a Shakespeare para congeminar o King Lear.
Claro está, em 2005 lá regressámos nós ao to be e ao to do e a coisa foi-se compondo. Melhor desta vez do que no ensino secundário, onde o amestramento do inglês havia cabido a um estudante de engenharia civil que precisava de ganhar uns cobres na instrução.
Seremos nós, nos tempos que correm, um infante fluente na língua de Charles III? De todo! E, por oposição, ainda seremos um utilizador provecto da língua de Napoleon Macron? Deixámo-nos disso por ausência de interlocutor! Estamos um irreprovável inútil em idiomas estrangeiros, coisa que não faz qualquer mal, porque um português sabe sempre qualquer língua. Em boa verdade, em cada um de nós há um Oliveira da Figueira…
Esta inserção vem a propósito dos ilustres britânicos de nome António Santos, Asdrúbal Ribeiro e José Pereira que, desde um certo tempo em que o inglês técnico foi notícia,utilizam ferozmente o indicador da mão direita para impugnarem os manuais ânglicos da Dra. Cristina Ferreira. Nunca os leram, porque são muito melhores do que alguns dos usados no ensino secundário.
Os nomes que indicámos poderiam ser tantos quantos são os portugueses utilizadores do Twitter, rede que não frequentamos, mas aí terão sido criados uns cinco ou seis perfis falsos como se nossos fossem.
A Europa é o espaço político onde os povos deviam ter o papel máximo. Sendo assim, aquilo que se deveria exigir aos representantes de cada povo não era um tagarelar mínimo da língua dos aeroportos, mas um soletrar máximo da língua de Pessoa. O que se deveria impor a cada uma das figuras públicas, era um português escorreito, mesmo que não elaborado, mesmo que só utilizador daquela regra básica da escola primária do salazarismo – sujeito, predicado, complementos.
Os portugueses, essa gente que emprenhou do mundo depois da chegada de Vasco da Gama ao Oriente, pela-se por arranhar um nuestros hermanos, mas esses, os tais que a católica Isabel representou na assinatura de Tordesilhas, nem um Vira do Minho se esforçam por silabar.
Na passada semana passámos por Ourense. Estávamos em casa, disseram-nos numa loja. Nada de mais errado, o galego não tem nada a ver com o português de hoje, é tão só uma coisa cantarolada mais obsoleta que a língua de Machado de Assis. E aí constatámos, de novo, que o inglês técnico não é bem vindo, sequer, para as novas gerações de espanhóis. Intermediámos um pedido de dois chocolates quentes e de um crepe de baunilha. O casal de irlandeses, que ajudámos, agradeceu dizendo que falávamos bem inglês, coisa que era/é nitidamente um insulto. Depois do Reino Unido ter saído da União Europeia, só resistem os irlandeses, mas Bruxelas está tão british quanto Downing Street. Saíram do clube, mas deixaram a língua em que se exerce o poder.
Com o tempo que levamos de provocações já não queremos saber de línguas. Chegamos ao Charles de Gaulle falamos em bilarealâinse; chegamos a Heathrow e somos um autêntico duriâince. Estamo-nos nas tintas para o tipo que está atrás de nós, especado na fila da cabine dos serviços de estrangeiros, se consegue, ou não, o accent elaboradíssimo de John McFall, Barão McFall de Alcluith.
Esta normalização é um perigo maior que a quarta guerra mundial. Com o desuso das línguas também se esquecem as marcas de cerveja, as castas dos vinhos, as especificidades dos whiskeys. Também passam para a prateleira da memória as danças, os cantares, as costumagens, até os fumeiros de cada país. Não tarda e as salsichas alemãs serão mais finas que um tubo de meia polegada.
Somos uns parolos. Sim, porque os parolos não são aqueles que dançam o corridinho, são aqueles que, não sabendo que com tailcoat não se calçam loafers, se espraiam em afoitos welcome’s. A esses só arriscamos dizer: see you!
Ascenso Simões