Os aumentos desmesurados dos preços dos bens de primeira necessidade, a começar pelos produtos alimentares, e o aumento do número de famílias que pedem ajuda, levaram a Cáritas de Portalegre e Castelo Branco a anunciar publicamente, no final de Setembro, que já retirou a carne, o peixe e o azeite do seu cabaz básico entregue regularmente a 60 famílias “em idade activa, com trabalhos precários ou rendimentos insuficientes” e que é esperado um agravamento desta insuficiência nos próximos tempos.
Claro que há quem ache 125 € uma fortuna que até pode fazer perder o tino a quem não está habituado a que lhe saia o euromilhões. Isabel Jonet teve o mérito de fundar o Banco Alimentar, mas, de quando em vez, parece uma daquelas tias aristocráticas que se juntam para praticar a “caridadezinha” no intervalo dos chás e da canastra, tecendo considerações de uma sobranceria desrespeitosa pelos pobres. Há dias disse ela à agência Lusa: “É importante fazer pedagogia e explicar às pessoas que não podem ir gastar estas verbas todas de uma só vez”. Ora, já Oscar Wilde dizia: “Recomendar aos pobres para serem poupados é ao mesmo tempo grotesto e insultante. É a mesma coisa que aconselhar um homem que morre de fome para comer menos”. A Isabel Jonet, no entanto, podemos perdoar as “gaffes”, até pelo respeito que nos merecem os(as) voluntários(as) que dedicam o seu tempo livre a ajudar a derimir a fome dos mais necessitados; já quanto aos governos e aos responsáveis políticos temos de exigir outra postura mais responsável. Em 6.05.2011, Cavaco Silva, então presidente da República justificava a ajuda externa da Troika com a frase (que outros, como Oliveira Martins, presidente do Tribunal de Contas, um ano depois, ou Horta Osório, presidente do Lloyds Bank, em 2014, viriam a glosar): “Não podemos continuar a viver acima das nossas possibilidades”, apelando à poupança das famílias e do Estado. Agora, Costa diz o mesmo com outras palavras: “Não podemos dar o passo maior do que a perna!” Ora, vamos lá a medir os passos e as pernas!
A passos largos vão os hipermercados, a banca e as energéticas. Nos primeiros seis meses do ano, a Sonae (Continente) duplicou os lucros, em relação a 2021; a Jerónimo Martins (Pingo Doce) aumentou os lucros em mais de 40% (278 milhões de euros). Os seis maiores bancos quase que já duplicaram os lucros (1,3 mil milhões no primeiro semestre), em relação a 2021. A EDP teve lucros de 306 milhões de euros (M€). A EDP Renováveis aumentou os lucros em 87% (265 M€). A GALP, do Grupo Américo Amorim, lucrou 420 M€. A inflação tem as costas largas. A inflação rasteira apenas os “pernas-curtas” (trabalhadores e pensionistas) que ficam a marcar passo; “os pernas longas” passam por cima e aceleram o passo.
Bem pode vir o Papa, o Secretário-Geral da ONU, o FMI e até o presidente do PS (insuspeito de esquerdista, que até pode apenas querer chegar a César Augusto, isto é, presidente disto tudo) darem razão aos partidos de esquerda e recomendarem a tributação dos lucros excessivos, que António Costa, não arrisca dar uma imagem “radical” e criar anti-corpos numa eventual corrida a presidente da Comissão Europeia. O défice acima de tudo, a dívida acima da fome!
Depois queixam-se por a extrema-direita conquistar o poder em Itália e crescer por essa Europa fora, irrompendo pelas brechas abertas pelas políticas neoliberais, ou social-liberais, que a direita e o extremo-centro insistem em praticar.
A propósito, até Pacheco Pereira lamentou, indignado, que os seus (ex)correligionários do PSD tenham “normalizado o Chega”, ao propôr o voto a favor do candidato da extrema-direita racista, xenófoba, homofóbica (e, digo eu, neofascista de rabo de fora) para vice-presidente da Assembleia da República. Felizmente que o voto é secreto e nem todos os deputados seguiram esta indicação de Montenegro, via líder da bancada, como disse aquele historiador.