Passadas duas semanas das eleições autárquicas, dei-me conta, ao conversar com amigos e amigas, de que quase todos ficaram com a ideia de que o Bloco de Esquerda tinha sido o grande perdedor, ficando atrás do Chega. Depressa percebi a causa de tal equívoco.
Sobre os resultados eleitorais, lia-se no Diário de Viseu: “PSD e PS nos primeiros lugares enquanto o Chega e Iniciativa Liberal ficam em 3º e 4º no concelho”. (…) “os seus candidatos conquistaram 2,95% e 2,20% do eleitorado, respectivamente, fazendo melhor do que CDS, BE, PAN e CDU”.
Também a Rádio Jornal do Centro apresentou o BE em 6º lugar, colocando-o atrás do IL e do CDS, quando nenhum deles elegeu candidatos em qualquer órgão do município.
Acontece que o Bloco de Esquerda elegeu para a Assembleia Municipal e para a Assembleia de Freguesia de Viseu. O Chega também elegeu para a Assembleia Municipal, mas não elegeu em mais nenhum órgão. Logo, o BE teve mais eleitos do que o CH. Como no futebol, em que o que vale para o resultado são os golos e não os remates à baliza ou a posse de bola, também nas eleições o que interessa são os eleitos.
Apesar do avanço do populismo, apoiado pelos nostálgicos da ditadura salazarista, por meia-dúzia de neofascistas, de racistas, homofóbicos e outros “idiotas úteis” da extrema-direita, o Bloco de Esquerda perdeu votos, mas continua a ser a terceira força política em Viseu. Está no pódio, logo a seguir ao PSD e ao PS.
No conservador concelho de Viseu, o PSD ganhou a Câmara, mas foi uma “vitória suada”, como confessou Fernando Ruas. Ou seja, a “confiança” que Ruas escolheu como slogan desta campanha já não é assim tão maioritária.
O PS apostou forte, enviando para Viseu ministros e até o primeiro-ministro no encerramento da campanha, o que deu a muitos viseenses a sensação de que seria possível derrotar o dinossáurio “T. Ruex”, levando à transferência de votos de eleitores dos partidos à sua esquerda, BE e CDU. Mas o PS só conseguiu ganhar 4 das 25 freguesias do concelho, quando já teve 3.
A esquerda tem de penetrar mais nos interstícios ideológicos do conservadorismo rural, rompendo de vez a anacrónica teia que o caciquismo foi tecendo ao longo de décadas de apadrinhamentos e compadrios, lá onde pouco aflorou o 25 de Abril.
Basta ver como alguns representantes do PSD, nas reuniões para nomeação dos membros dos partidos para as mesas de voto, nalgumas freguesias do concelho de Viseu, demonstraram dificuldade em aceitar o princípio democrático de dividir o número de lugares por todos os partidos, de forma equitativa, insistindo em que o PSD deveria ter mais elementos do que os restantes concorrentes, com base numa suposta tradição ou representatividade anterior, como se nas eleições houvesse “pole position” como nas corridas de Fórmula 1.
E isto tem vindo a acontecer em freguesias periurbanas, como Abraveses e Repeses São Salvador (embora nesta última se acabasse por chegar a acordo, depois de todos os restantes partidos terem ameaçado com um comunicado conjunto a denunciar tal falta de democracia). Em Abraveses não houve acordo e teve de se recorrer a sorteio. Devo dizer, em abono da verdade, que na freguesia de Viseu, onde o sectarismo ideológico tem menos terreno fértil, sempre se seguiu o método de nomeação equitativa e democrática, que já vinha do tempo anterior à agregação das três freguesias de São José, Santa Maria e Coração de Jesus.
(Cartoon de Carlos Vieira)
(Foto DR CMViseu)