Poderá não ser ilegal, mas é imoral

Um apoio tão importante quanto estigmatizante. O RSI será, com grande margem de avanço, a prestação social mais estigmatizada, desde que foi criada, há 25 anos. Esta prestação social tem sido usada, demagogicamente, em discursos populistas menos avisados, sem que se apresentem quaisquer alternativas minimamente credíveis. Estou em crer que muitas das pessoas que rasgam as vestes contra os beneficiários da medida, muito provavelmente, não a conhecerão na sua total dimensão.

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  • 19:27 | Quarta-feira, 21 de Julho de 2021
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Primeira questão: sabe quanto recebe do Rendimento Social de Inserção (RSI) um indivíduo sem família, quando cai no grupo dos mais pobres entre os pobres? Recebe 189,66 euros. O RSI vale menos de metade (43,6%) do indexante de apoios sociais (IAS), a medida das prestações sociais. Contudo, “O Rendimento Social de Inserção (RSI) teve um impacto particularmente acentuado na redução da intensidade da pobreza e na redução da privação relativa dos mais pobres entre os pobres.” (Rodrigues, 2012, In Desigualdade Económica em Portugal, Fundação Francisco Manuel dos Santos).

Um apoio tão importante quanto estigmatizante. O RSI será, com grande margem de avanço, a prestação social mais estigmatizada, desde que foi criada, há 25 anos. Esta prestação social tem sido usada, demagogicamente, em discursos populistas menos avisados, sem que se apresentem quaisquer alternativas minimamente credíveis. Estou em crer que muitas das pessoas que rasgam as vestes contra os beneficiários da medida, muito provavelmente, não a conhecerão na sua total dimensão.

Não ignoremos possíveis abusos, fiscalize-se e atue-se em conformidade.


Faz todo o sentido que, após 25 anos, o RSI seja revisto, tal como previsto pelo Governo, de modo a melhorar este mecanismo que foi criado como Rendimento Mínimo Garantido (RMG).

Segundo os dados publicados pelo Gabinete de Estratégia e Planeamento, do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, em Maio de 2021, 217 973 pessoas e 102 545 agregados familiares beneficiavam da medida.

Este enquadramento tem como objetivo ajudar a explicar a minha estupefação com uma publicidade que observei num jornal nacional. Título da publicidade: “INVESTIMENTOS: Sabe se tem direito ao Rendimento Social de Inserção?” De seguida, é explicada a criação da medida, quem pode beneficiar, como solicitar…

Tudo seria “normal” se esta divulgação fosse publicidade institucional da Segurança Social e / ou de entidades que trabalham a medida de apoio aos mais pobres entre os pobres.

Segunda questão: sabe quem fez esta publicidade no jornal? A Cofidis. Sim, pasme-se, caro leitor, uma entidade de crédito ao consumo… Certamente, os consultores da Cofidis terão lido o editorial do Financial Times, publicado em dezembro de 2020 e ficaram sensibilizados com a ideia-chave: em Portugal arriscamo-nos a ter, em pouco tempo, uma parte da sociedade a lutar por uma mesa livre nos restaurantes reabertos, enquanto a outra parte luta para ter comida na mesa dos seus agregados familiares.

Pode ler-se no site da Cofidis: “Estamos conscientes que esta nova fase trouxe dúvidas e preocupações, mas quando a Cofidis criou o Contas Connosco fê-lo com um único propósito: ajudar, informando e esclarecendo sobre temas importantes relacionados sobre a gestão do dinheiro, as finanças pessoais, a família, direitos e deveres, e tantos outros. Vamos continuar a ajudar e, para isso, dedicar-nos a disponibilizar respostas, conselhos e ferramentas que o poderão auxiliar durante este período.”

Caros senhores, nesta nova fase, tenho dúvidas e preocupações. Formulo três questões, na esperança de obter a vossa ajuda, informação e esclarecimentos, relativamente aos vossos objetivos concretos:

1 – Subtilmente querer-se-á passar a ideia de que o cidadão pode recorrer ao crédito que, se algo correr menos bem, terá sempre o recurso ao RSI?

2 – Com algum peso na consciência, vossas excelências apontam o caminho a quem já não consegue honrar os compromissos convosco?

3 – Com tamanha bondade, não fará sentido informarem as pessoas do valor médio da prestação mensal (189,66 euros)?

Caros senhores, esta publicidade poderá não ser ilegal, mas é imoral.

Uma das caraterísticas da pobreza em Portugal é a elevada persistência, no quadro europeu, relacionada com baixas taxas de saída da pobreza. Face à consciência social que a Cofidis procura evidenciar, através da publicidade, estarão os senhores disponíveis para apoiar quem integre grupos mais vulneráveis, incapazes de escapar à “armadilha” da pobreza: famílias monoparentais, as pessoas idosas e os agregados familiares com menor participação no mercado de trabalho?

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Publicado em Opinião