Se dúvidas houvesse de que toda a conversa de Rui Rio sobre ética na política não passava de verborreia, de retórica vazia de conteúdo, bastaria ver o acordo com o Chega nos Açores e a declaração de que se André Ventura moderasse a linguagem poderia acontecer o mesmo no Continente, normalizando, assim, a extrema-direita racista, apoiada por fascistas, em Portugal.
Até David Justino, vice-presidente do PSD, criticou a normalização do Chega com a ida de Rio à Convenção do MEL. Não admira, por isso, que Rui Rio se tenha antecipado, ou ultrapassado, ao Chega nos convites para candidatos do PSD em alguns concelhos, de personagens conhecidas pela linguagem extremista, como a comentadora televisiva Suzana Garcia, para a Câmara da Amadora, que numa entrevista na TVI desejou o “extermínio do Bloco de Esquerda”. Não por acaso, Ventura elogiou a escolha como uma “boa evolução” de Rio, fingindo não ouvir a candidata a retorquir ao entrevistador que “também desejava o extermínio do Chega”.
Também para Viseu, Rui Rio, em detrimento da candidatura do vice-presidente da Câmara Municipal de Viseu (CMV), João Paulo Gouveia, presidente da Concelhia do PSD de quem supostamente teria o apoio, optou pela disponibilidade manifestada por Fernando Ruas.
O faro populista de Rio esquece-se de que já há 500 anos antes de Cristo, um filósofo pré-Socrático, Heráclito de Éfeso, precursor (com 23 séculos de avanço) da Dialética de Hegel (que inspirou Marx), havia descoberto que “nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio, porque outras são as águas que por ele correm”. É certo que a alternativa também não era recomendável: mergulharmos duas vezes no mesmo vinho! Mas o regresso de Ruas à CMV seria o mesmo que voltarmos a ter Cavaco como presidente da República: um retrocesso de 30 anos! Portugal transformado num Parque Jurássico! Não imaginamos Fernando Ruas, que recebeu, em 2009, a medalha de ouro da francesa Societé Académique des Arts, Sciences et Lettres, que distingue figuras que se evidenciam nos campos das artes, ciências e letras (e esta, hem?…), a ler Heráclito apressadamente, retendo apenas a teoria do “eterno devir”, da coincidência dos contrários: “na circunferência, o começo e o fim coincidem”. Mas, se assim for, cuidado, porque para Heráclito, o ritmo do Eterno Retorno pressupõe uma catástrofe: para renascer é preciso morrer! Nada mais trágico para um político do que não se dar conta de que já está morto e enterrado. E para a cidade seria dramático o regresso dos mortos-vivos!
Recordo que Ruas recusou receber, no Dia do Município, o Viriato de Ouro, a mais alta distinção atribuída pelo município de Viseu, aprovada na AM com a abstenção do BE. Porquê? A resposta foi dada por Paulo Ferreira, subdirector do Jornal de Notícias, num artigo de opinião, em 23.09.2014: “Porque queria uma festa só para ele. Não estava disposto a receber a distinção numa “cerimónia ao molho” (sic). Quer dizer: Fernando Ruas acha-se acima dos restantes galardoados (…). Fernando Ruas, estou em crer, não descartaria a possibilidade de ser criado um feriado em sua homenagem: a data em que o povo sairia à rua, devidamente ataviado, para exaltar o eurodeputado. A cerimónia começaria com uma missa, a que se seguiria um almoço, grátis, e um discurso do galardoado com o mínimo de duas horas. A festa entraria pela tarde adentro e culminaria com uma intervenção laudatória do primeiro-ministro ou do presidente da República (todas as restantes possibilidades seriam incongruentes com a amplitude e importância do evento).
Andará bem a autarquia se, a partir de agora, seguir o sábio conselho de Honoré de Balzac: “Deve deixar-se a vaidade aos que não têm outra coisa para exibir”. Sim, porque, no caso, Ruas serviu-se da vaidade para esconder a acrimónia. Incomodado por a Câmara ter recusado pagar-lhe o subsídio de reintegração (uma coisa mais ou menos imoral aplicável a alguns titulares de cargos públicos), o eurodeputado viu neste episódio a possibilidade de espetar uma bofetada de luva branca na cara do seu sucessor. Não acertou – e sujou as mãos e os princípios da mais elementar cordialidade e bom senso.”
Sobre os méritos e deméritos de Ruas ao longo dos 24 anos em que esteve à frente do município de Viseu, dedicarei um próximo artigo.