Em final de 1945, na grande agitação oposicionista ao Estado Novo, as ideias de Eça de Queirós sobre os militares podiam tornar-se subversivas. Salazar talvez preferisse outras hermenêuticas queirosianas. Não seria caso para dar ordem de prisão a Belisário Pimenta, nem talvez para o silenciar. O ditador, ardiloso e sibilino, encontrava, para estes casos, outras maneiras de mostrar quem manda. Imagino-o, ficcionalmente, a enviar um recado nos seguintes termos:
– Digam lá ao senhor coronel que eu também gosto de Eça de Queirós, não o das rapaziadas revolucionárias e imorais dos primeiros romances, mas o do patriotismo e recato dos últimos. Digam-lhe para estudar o acrisolado amor pátrio n’A Cidade e as Serras.
Conjecturo a resposta de um ingénuo:
– Nesse romance, não há militares.
– Por isso mesmo – diria o ditador, com olhar frio. – Por isso mesmo…
O interlocutor cala-se, por não achar o que dizer. E o padreco de S. Bento, satisfeito, daria a cutilada final:
– Ele que estude a presença das bicicletas…
Esse outro sou eu, e vou mostrar a ocorrência de uma queda de bicicleta em A Cidade e as Serras.