Enquanto os EUA se livram de Trump, o PSD dá a mão ao “nosso” Trumpito

Rui Rio, ao dizer que se o Chega se moderasse podiam conversar, abriu a porta que o PSD Açores, sem vergonha, escancarou para a extrema-direita. Claro que para chegar ao poder o Chega vai jurar ser democrático (Ventura diz uma coisa e o seu contrário)...

Tópico(s) Artigo

  • 14:47 | Segunda-feira, 16 de Novembro de 2020
  • Ler em 4 minutos

Nos EUA, uma maioria constituída por uma percentagem significativa de jovens, mulheres, negros e hispânicos (de origem latino-americana), votaram em Biden para derrotar Trump. A derrota de Trump representou um alívio para os norte-americanos que sofreram com a sua paranoia populista e fascista, o ódio aos imigrantes (um paradoxo estúpido num país construído por imigrantes), a separação de crianças dos pais apanhados na fronteira com o México e deportados, o desrespeito pelas mulheres e o incitamento ao racismo e à violência policial. Mas também foi um alívio para os povos do resto do mundo que receavam ter um louco narcisista e mentiroso com acesso (ainda que partilhado) ao botão vermelho das bombas nucleares, um presidente belicoso que não teve pejo em deitar gasolina no fogo do médio oriente ao reconhecer Jerusalém como capital de Israel. O seu estratega e director da campanha eleitoral de 2016, “Steve” Bannon, que andou pela Europa a tentar unir os neofascistas e até os inimigos do Papa Francisco, foi detido em Agosto por suspeita de corrupção e lavagem de dinheiro e será julgado em 2021.

No entanto, a eleição de Biden para a presidência do país mais forte do Mundo, pelo menos militarmente, também não pode deixar tranquilo quem defende um mundo de paz, com mais igualdade e respeito pelos Direitos Humanos, pela natureza e pela sustentabilidade económica, social e ambiental do planeta. É certo que Biden já disse que regressaria aos Acordo de Paris e que se comprometeu em aplicar outras propostas de esquerda de Bernie Sanders (o independente candidato pelo Partido Democrata que desistiu da corrida à Casa Branca a favor de Biden) e da ala mais progressista do Partido Democrata, como a subida do salário mínimo ou uma política de imigração mais humanitária, mas com maioria apenas na Câmara dos Representantes, o mais certo é os democratas acabarem por aplicar a mesma política neoliberal que tem vindo a ser seguida desde os tempos de Reagan, até porque o historial político de Biden não augura nada de muito diferente. Até Kamala Harris o acusou, durante as primárias, de se ter oposto ao financiamento de um programa de autocarros escolares com vista a acabar com a segregação racial nas escolas.

Décadas de neoliberalismo transformaram os EUA num dos países com maior desigualdade social, onde a esperança de vida à nascença é hoje a mais baixa, e a mortalidade a mais alta, entre as democracias ricas da OCDE, com a cumplicidade de ambos os partidos do poder (quase um partido único com duas cabeças).


Assim como são cúmplices das agressões contra muitos povos por todo o mundo: Coreia, Vietname, Irão, Guatemala, Honduras, Líbano, Cuba, República Dominicana, Chile, Angola, Líbia, Nicarágua, Granada e Iraque. Já para não falar dos golpes orquestrados ou apoiados pela CIA em toda a América Latina e até na Europa. Nos anos 60 a 80, a Operação “Stay Behind”, organizada pela NATO, criou exércitos secretos que desencadearam atentados terroristas de falsa bandeira, com centenas de vítimas inocentes, principalmente na Grécia (golpe dos coronéis fascistas), na Alemanha, na Bélgica e, sobretudo, em Itália (491 mortos e 1.181 feridos) com o apoio da extrema-direita, da Mafia e dos serviços secretos italianos (Rede Gládio) para impedir o “Compromisso Histórico” do PCI com a Democracia Cristã de Aldo Moro, que acabaria por ser assassinado pelas Brigadas Vermelhas infiltradas pela CIA e/ou a Gládio. Tudo comprovado por uma investigação de uma Comissão do Senado italiano.

Quanto a Kamala Harris como Vice-Presidente, as opiniões de esquerda nos EUA estão mais divididas. Uns criticam-na por não ter feito reformas na justiça criminal e por ter sido complacente com as acções criminosas de bancos, como o OneWest Best, cujo chefe executivo financiou a sua campanha para o Senado. Outros, destacam o seu papel como Senadora, apoiando uma reforma do sistema fiscal que aumentasse a progressividade dos impostos, a implementação de um sistema público de Saúde, o fim das propinas nas universidades públicas para os mais desfavorecidos, a legalização da canábis, a defesa do aumento do salário mínimo, o fim do uso dos pesticidas perigosos na agricultura, a legalização de migrantes e acabar com o uso de armas automáticas. Convenhamos que já não é pouco para um país como os EUA, onde 70 milhões votaram em Trump, influenciados, em grande parte, por pastores e bispos charlatães de algumas igrejas evangélicas numa cruzada mundial de apoio a populistas e fascistas como Bolsonaro.

Mas o maior factor de esperança é o surgimento, nos últimos anos, no Partido Democrata (já que os partidos de esquerda não têm a menor hipótese de eleger num sistema blindado pelo poder do dinheiro) de congressistas jovens e de tendência socialista, como Alexandria Ocasio-Cortez que voltou a ser reeleita juntamente com outras e outros afro-descendentes e hispano-descendentes progressistas.

No mesmo momento em que os EUA e o Mundo se livravam de Trump, em Portugal, o PSD dava a mão ao partido racista e xenófobo que tem Trump como ícone. Rui Rio, ao dizer que se o Chega se moderasse podiam conversar, abriu a porta que o PSD Açores, sem vergonha, escancarou para a extrema-direita. Claro que para chegar ao poder o Chega vai jurar ser democrático (Ventura diz uma coisa e o seu contrário), da mesma forma que criminosos neonazis como Mário Machado também já aconselharam os seus seguidores “infiltrados” no Chega para não fazerem a saudação nazi nas manifestações convocadas por André Ventura para não prejudicarem o chefe.

Mas há gente de direita que discorda da imprudência suicida do PSD, incluindo ministros e secretários de Estado do governo de Passos Coelho, como Poiares Maduro e Francisco José Viegas, que assinaram um artigo no Público do passado dia 10, a par de Adolfo Mesquita Nunes, Francisco Mendes da Silva, José Diogo Quintela, Miguel Esteves Cardoso, Pedro Mexia, Samuel Úria, Teresa Caeiro, entre muitos outros, onde afirmam que “O espaço do centro-direita e da direita portuguesa não é o do extremismo, seja esse extremismo convicto ou oportunista.”

Também Jorge Vieira da Silva,ex-ministro de Passos Coelho, já veio exigir um congresso extraordinário do PSD para esclarecer a identidade do partido, porque, escreve no Público de hoje, ”não se fazem acordos com partidos xenófobos, racistas, extremistas e populistas. Com partidos que propalam propostas incompatíveis com a dignidade humana.”

Na verdade, a direita, aqui como em Espanha ou no Brasil, é sempre a incubadora da extrema-direita.

Talvez Rio devesse lembrar-se que Trump, dois dias depois de ter perdido as eleições, despediu o Secretário de Estado da Defesa, pelo Twitter, por este ter discordado do envio de militares para reprimir as manifestações contra o racismo e a violência policial, e já ameaça demitir também Anthony Fauci, responsável-mor pelo combate à Pandemia, bem como o Secretário da Saúde e o director do FBI. E que Trump ordenou às milícias armadas fascistas dos “Proud Boys”, bem como ao movimento QAnon (das teorias da conspiração sobre a Covid 19 que já extravasaram para a Europa), para recuarem e ficarem prontos para agir. Deixem passar estes movimentos fascistas e nenhum democrata ficará a salvo.

 

Gosto do artigo
Palavras-chave
Publicado por
Publicado em Opinião