Se hoje fosse uma terça-feira normal, os estacionamentos da Radial de Santiago estariam bem preenchidos de carros, assim como os da Rua do Coval e os do Fontelo. A circulação ficaria condicionada pelos estacionamentos abusivos à direita da faixa de rodagem e gerava-se o habitual pára-arranca. Aumentava a impaciência nos condutores mais incautos que desejavam ir depressa para o centro da cidade.
Hoje, se fosse uma terça-feira normal vinha muita gente das aldeias à cidade. Uns chegavam de camioneta outros de carro, mas todos se encontravam na feira semanal.
S. Pedro, que ontem andou carrancudo e chuvoso, decidiu ajudar. A vozearia troava no recinto apinhado e o pregão do cigano que vende roupa era ouvido por quem ali passava, soltando, de forma quase instantânea, um sorriso malandro ao escutá-lo. As mulheres mais novas e de meia idade, mais ou menos aperaltadas, remexiam nos montes da roupa à procura de alguma novidade do seu agrado. As avós e os avôs caminhavam pelo recinto à vontade sem receio da Covid 19, nem sequer sabiam o que isso era. A vinda à Feira é para eles um acontecimento social relevante pelo convívio, pelos reencontros, pelas compras, enfim por ser um dia diferente para melhor na sua existência. Iam comprar a mercearia, o presunto, o salpicão e o queijo para terem a casa farta na Páscoa ou na Pascoela de modo a receberem condignamente a família que se juntava e o compasso, presidido pelo sr. abade que benzia a casa, acompanhado pelo sacristão da opa vermelha que carregava a Cruz e a dava a beijar, enquanto recolhia no bornal o envelope branco que o atencioso dono da casa deixava em cima da mesa adornada.
Na Feira, os ciganos pequenos corriam livremente, alguns abordavam as pessoas que passavam para lhes pedirem uma moeda. Na roulotte, os homens juntavam-se para dois dedos de conversa acompanhados por uma bifana no pão e uma mini, ainda a manhã ia a meio. Outros que por ali passavam carregados com os sacos cheios de compras eram desafiados para se sentarem a comer e a beber. A pastelaria estava cheia e da chaminé da churrasqueira Jorge saía fumo e o cheiro de carne a assar pairava no ar.
O comércio à volta estava aberto e a barbearia do sr. Osvaldo tinha gente à porta para cortar o cabelo. Na farmácia Gama não se formavam filas à porta para entrar e o café das Beiras tinha clientes em quase todas as mesas, por onde os empregados cirandavam equilibrando com mestria a bandeja com galões, sumos e croissants.
Hoje, não há Feira Semanal, apesar de estar bom tempo, as pessoas têm de ficar em casa, a vida está suspensa. Muitos vivem dias de incerteza e têm o coração apertado, porque é preciso continuar a pagar as contas do mês e a pôr comida na mesa.
Os bancos vão embrulhar em burocracia e em exigências de garantias o acesso ao dinheiro que têm disponível. Não há fundos de resgaste para estes ambulantes nem para o pequeno comércio, mas devia haver, porque muitos deles já estão a precisar. Uma Santa Páscoa!