Há momentos na vida que obrigam a “soltar a língua” e a dar eco à voz. Que exigem uma partilha mais vigorosa e contundente do que se pensa serem as melhores ideias e práticas para a vida em sociedade.
Esta circunstância, da pandemia do coronavírus, Covid 19, é um desses momentos. Que intima a que sejamos francos e honestos e que se exponha com clareza, frontalidade e determinação o que intelectualmente consideramos sobre o assunto.
Na parte que me toca, fiz o juramento cristalino de dar ao pensamento a fluidez e a liberdade de que necessita para destruir e destilar qualquer estorvo de carácter inquisitivo. Assim, é de lamentar que só em períodos ditos de crise e de estados de emergência os indivíduos – os mais e os menos responsáveis pessoal e coletivamente – se confrontem com a necessidade de refletir e de questionar o estado atual da condição humana. É de reprovar que só perante os perigos que agora nos ameaçam, a fatalidade, a catástrofe e a calamidade, surja a importância de analisar e criticar o pensamento e a conduta humana.
Ora, a reflexão crítica é uma urgência que deveria andar de braço dado com o Homem, tanto nos passadiços da desgraça, do risco, do drama, como nos caminhos da alegria, da confiança e da esperança.
Durante demasiado tempo, mais tempo do que o desejável, andámos desatentos e alienados. Caminhámos e vivemos como se o frenético devir que nos consome não existisse. A acreditar que nada nos acontece, que somos infalíveis, que tudo é fantástico. Nos intervalos, vão-se tecendo laboratorialmente os interesses e ambições pessoais, anotando os ajustes de contas e contando os ressentimentos. Como diversão, fazemos umas guerras, praticamos a violência e a xenofobia, somos racistas e o outro, o próximo, causa-nos urticária. A discriminação e a intolerância estão na moda e são convenientes.
Agora, em mais uma época histórica de desassossego, causado pelo medo de uma nova doença, abrem-se as feridas e colocam-se a nu as fragilidades que cosmeticamente têm vindo a ser disfarçadas e a real pequenez e impreparação do Homem. Agora, numa época de incerteza e de desgraça, fazem-se apelos miraculosos à necessidade de fazer balanços, a uma nova ordem e reconstrução, apelos à consciência e responsabilidade pessoal e coletiva, ao bom senso e à sensatez.
Temos para nós que este empenho e dedicação à vida, à sua preservação e valorização, não pode ser pontual. Também consideramos fútil, pobre, de um otimismo bacoco e de uma conversa ligeira mensagens que profetizam que “tudo vai ficar bem”.
É, assim, ainda a vida. A ruir a cada momento, como se de um castelo de cartas se tratasse. E isto, porque, em tempos de aparente normalidade, nada fizemos para nos precavermos do estranho, do invisível, do intruso, da ameaça. Mais uma vez, este fenómeno demonstra que nada ou muito pouco temos aprendido ao longo da História. Com demasiada frequência reincidimos nos mesmos erros e asneiras. Continuamos a agir retroativamente, sempre atrás do prejuízo, ignorando o trabalho preventivo, a importância da simulação e da antecipação de fenómenos como forma de garantir a segurança e de estar mais preparados para o inusitado.
Cada vez mais é necessário preservar, valorizar e dar qualidade à vida do Homem, não só em conjunturas de epidemias económicas, financeiras ou de saúde, mas sempre. Na complexidade de que se reveste a sociedade e o Homem, as perguntas continuam a ser as clássicas: Que tipo de Homem queremos formar? Que evolução pretendemos para o Homem? Sabe o Homem conscientemente o que quer para sua vida? É esta construção social fonte de respeito e de felicidade pessoal e coletiva?
Estas são algumas das interrogações que nos podem ainda dar vida e ânimo para executar as mudanças tão essenciais à humanidade e garantir o bem-estar humano.