Carlos A. Xavier d’Andrade, escrivão ciclista
O escrivão Carlos A. Xavier d’Andrade viveu numa época sem GPS, sem mapas, sem placas toponímicas, sem roteiros minuciosos, sem nada que ajudasse um ciclista a encontrar o seu caminho.
As crónicas de Xavier d’Andrade obedecem a um padrão narrativo que não é apenas seu, pertence ao seu tempo. A falta de mapas e placas toponímicas e o culto pictorial da paisagem criaram um tipo de relato que serve de guia aos ciclistas de passeio. O amante das bicicletas, não dispondo, nos alvores do século XX, de indicações acerca das estradas que o esperavam, podia obter, nestes textos, indicações úteis sobre os itinerários, as distâncias, o estado do pavimento, os desníveis e as belezas naturais.
Esta finalidade não pode ser menosprezada. Em Agosto e Setembro de 1884, o arqueólogo, etnólogo e filólogo José Leite de Vasconcelos viajou por Trás-os-Montes. A deslocação lenta permitiu-lhe tomar nota de tudo: a vegetação, as povoações, as brincadeiras infantis e as mulheres fiando na soleira da porta. Como quase ninguém passeava pelas aldeias remotas, o seu aparecimento era recebido com estranheza e desconfiança. A população temia que fosse um espia de ladrões, funcionário do fisco, candidato a deputado ou feiticeiro. Não havendo forasteiros, para que serviriam as placas toponímicas? Leite de Vasconcelos ficava parado nas bifurcações, sem saber por onde encaminhar os passos e sem vivalma que o ajudasse a decidir.
Três décadas depois, a situação não devia ser melhor. Em 1912, o Automóvel Clube de Portugal enviou à Câmara Municipal de Anadia, por comboio, um caixote com letreiros de azulejo para marcar as estradas. Três anos não foram suficientes para proceder à montagem. Em 1918, só os havia na sede do concelho. E já não estamos em Trás-os-Montes, mas à beira da principal estrada do país.
O escrivão Carlos A. Xavier d’Andrade viveu numa época sem GPS, sem mapas, sem placas toponímicas, sem roteiros minuciosos, sem nada que ajudasse um ciclista a encontrar o seu caminho. Resolveu dar o seu contributo. Escrevia para o seu tempo, não para o nosso.