A viagem ficou marcada por dois acontecimentos. O primeiro sucedeu em Portomar. Tendo eu saído de Ílhavo, pela estrada nacional 109, coincidi com os amigos no cruzamento de Mira. Eles chamaram-me, eu virei à esquerda e, ao passar sobre a areia acumulada no asfalto, senti que o pneu, atestado em casa, se deixara amolecer pela falta de ar. Pus-me atrás do Físico e, com sorte, pude andar o quilómetro que faltava até à esplanada. Aqui declarei o furo. O Vendedor tomou imediatamente conta das ocorrências, cabendo-me o papel de assistente quase inútil, como bem documenta a fotografia tirada à socapa pelo Informático Ferroviário.
O segundo facto ocorreu ao fim da manhã. Decidimos dar uma volta ampla por Cantanhede, apesar de o céu ter enegrecido. O Físico ainda fez menção de evitar essa decisão, que o Vendedor defendeu com firmeza e humor, dizendo que os pingos que bateram na cara não passavam de aspersões secundárias de quem regava as flores numa varanda. O Físico aceitou o repto com uma lengalenga rimada que em vão tentei fixar. Invocava uma santinha, questionava a necessidade do cansaço e concluía que «devagar se vai ao longe». Já, na frente, o Peninha lançava uma corrida mansa pela magnífica variante. O Vendedor garantiu que em Cantanhede não chovia.
Em Cantanhede, como ele bem previu, não chovia, mas logo a seguir, a água começou a crepitar no capacete e a deslizar nos óculos. Mesmo assim, ainda fomos à Antes comprar bôlas no Canto da Bicuda. E como agora temos um grupo no WhatsApp, estou pronto para fazer as seguintes inconfidências:
Informático Motard: – Chove em Avelãs. Boa sorte para os que foram.
Periglicófilo: – A sério? Pela Mata está cinzento, mas só deve pingar lá para a uma hora. – E pouco depois: – Afinal, aqui não pinga, chove mesmo.
Informático Motard: – Pois, aqui também. Eles vão apanhar. – E fez um emoji de tristeza.
Periglicófilo: – O pior é a temperatura.
O Informático Ferroviário, já no remanso do lar: – O pior era ter ficado em casa. – E fez um emoji de gargalhada.
Físico: – Molhado, mas cheguei bem a casa. A culpa é do Paulinho. Ele quis vir por Cantanhede.
Informático Ferroviário: – Em Cantanhede, não apanhámos chuva.
A seguir, com o reconforto de um duche, falaram do almoço: um assado e um bom vinho, um arroz de coelho de molho pardo, pá de porco com mel e alecrim… O Informático Ferroviário teve um rebate de urgência, uma vez que já estamos em Março:
– E a lampreia?