Ainda há dias apresentei três classes de bicicleta: as que circulam, as que jazem destroçadas e as que dão elegância à venda de roupa. Enfrentei a chuva, o vento, os automóveis, a multidão e as filas para apresentar uma quarta categoria: as de arte.
Tinha Marcel Duchamp a idade de vinte e seis anos quando tomou em suas mãos o aro de uma bicicleta, manteve-o preso nas hastes da forqueta e espetou o fuso, que devia seguir para o guiador, numa base de madeira parecida com um banquinho de quatro pés. Foi isto em 1913. A obra desapareceu. Duchamp fez outra. Não sei o que lhe aconteceu. Em 1951, já com sessenta e quatro anos, produziu uma terceira versão. Continuou a chamar-lhe Bicycle Wheel.
Em 1967, a obra entrou na The Sidney and Harriet Jamis Collection. Neste penúltimo dia do ano de 2019, fui encontrá-la numa sala do MoMA, por onde os visitantes passavam, apressados, para a fila do Van Gogh, o magote dos relógios de Dalí e o grupo das Demoiselles d’Avignon.
Só vejo uma bicicleta esquartejada e exposta com os requintes de malvadez de um assassino em série. Se é para admirar, prefiro a cabeça de touro de Picasso.
Nuno Rosmaninho