Politiquices e press games

“Os jornalistas parlamentares afirmam que, em todos os casos de alguma declaração seguida de virulento desmentido, foi o político que realmente fez aquela meia declaração, precisamente para que o jornal a publicasse, e para poder desmenti-la no dia seguinte, tendo entretanto lançado um balão de ensaio, e fazendo chegar uma insinuação ou uma ameaça ao […]

  • 15:29 | Domingo, 10 de Novembro de 2019
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“Os jornalistas parlamentares afirmam que, em todos os casos de alguma declaração seguida de virulento desmentido, foi o político que realmente fez aquela meia declaração, precisamente para que o jornal a publicasse, e para poder desmenti-la no dia seguinte, tendo entretanto lançado um balão de ensaio, e fazendo chegar uma insinuação ou uma ameaça ao seu alvo. Depois dever-se-ia perguntar ao cronista parlamentar, vítima do político astuto: “Mas porque é que aceitas o jogo, porque não exiges que ele verifique e assine a citação?”

A resposta é simples. Neste jogo todos têm alguma coisa a ganhar e nada a perder. Na medida em que o jogo é frenético, as declarações sucedem-se dia a dia, o leitor perde-lhe a conta, e esquece o que foi dito; em compensação o jornal berra a notícia aos quatro ventos, e o político acaba por retirar dela a vantagem que esperava. (…) Porém, como todos os crimes, no fim não compensa: o preço, quer para a imprensa quer para o político, é a desconfiança, a reação de indiferença do leitor.”


Eco, Umberto – Cinco Escritos Morais, Relógio D’Água, 2016

Por toda a parte temos políticos que há muito leram Umberto Eco. E outros autores. E perceberam todas as vantagens e desvantagens em ter uma “friendly press”, amarrada à manjedoura a rilhar a palha da publicidade institucional que os vai cevando, mesmo e se à custa da amoralidade abjecta e do sustentado frete quotidiano.

Por isso, se e quando acusados de alguma coisa, logo convocam uma conferência de imprensa para vivamente expressarem a sua indignação e estupefacção face à matéria da circunstância. Se ela lhes for negativa, claro está.

Ou então, recorrendo a uma despudorada falácia, numa fuga para diante que nem Sun Tzu na sua Arte da Guerra preconizaria, berram aos 4 pontos cardinais, do alto de uma colina, o reverso ou oposto da verdade, prescientes de que uma mentira muitas vezes repetida se transforma em verdade. E aí, seguem o mestre chinês: “Não adies o momento do combate, nem esperes que tuas armas se enferrujem e o fio de tuas espadas se embote”. Todavia, e eles bem o sabem, apenas se agarram como náufragos à ideia de que “enquanto o pau vem e vai folgam as costas”.

Há autarcas a negar a evidência catastrófica do seu orçamento camarário; há-os a negar a péssima classificação atribuída no Anuário Financeiro dos Municípios. Negam a evidência e, de uma calamitosa e tecnicamente sustentada visão crítica intentam criar o oásis num mirífico paraíso.

São as tais fugas para diante, locomovidas por um desespero angustiante de quem já nada tem a perder, aguardando vitimizados o que está ainda para vir, mas agora no âmbito das investigações judiciais que estão a decorrer.

Os autarcas que apostaram tudo na comunicação por intermédio dos seus “apóstolos excepcionais“, apostariam tudo para não serem agora dela objecto.

No meio disto tudo, haverá sempre uma CS que conta a verdade. E haverá outra que difunde a mentira. No meio disto tudo há uma certeza, no meio de tanto bruááo leitor perde-lhe a conta, e esquece o que foi dito”. Mas a Justiça, se é cega, não é falha de memória…

Paulo Neto

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