“Não me temo de Castela
Donde guerra inda não soa,
Mas temo-me de Lisboa,
Que ao cheiro desta canela
O Reino nos despovoa.»
Sá de Miranda
…
«Lisboa é uma cidade doceira, como Paris é uma cidade intelectual.
Paris cria a ideia e Lisboa o pastel.
Daí a grande quantidade de doenças de estômago e de maus dentes.»
Eça de Queiroz, In Uma campanha Alegre II.
…
“Riquezas abundantes e incorruptas só na
Índia, onde o que não se vê é sempre belíssimo
e entusiasma, enquanto sobre a superfície
vive gente pobre com ligações apenas
à sua sombra; isolados uns dos outros,
indecisos entre avançar e parar, pouco
ousados nas acções, mas por vezes com um
discurso mágico, espantoso, capaz
de iluminar e salvar um homem cansado.”
(…)
Gonçalo M. Tavares, Uma Viagem à Índia, Canto VII-1, Ed. Caminho, 2010.
Do século XVI ao XXI com passagem pelo XIX. Do Renascimento à contemporaneidade passando pelo realismo. Sá de Miranda nasceu em Coimbra. Eça de Queiroz na Póvoa de Varzim. Gonçalo M. Tavares nasceu em Luanda.
Sá de Miranda temia-se de Lisboa e da cupidez dos homens deslumbrados e ávidos que partiam para a recém “descoberta” Índia à cata da fortuna fácil.
Eça de Queiroz, finíssimo na ironia que ressumbrava de seu rosto e luzidio monóculo e brilhava como oiro ao sol na sua prosa cáustica e mordaz, no auge do século XIX tão influenciado pela cultura e civilização francesas, compara Lisboa a Paris. A Lisboa doceira e a Paris intelectual…
Gonçalo M. Tavares essa grande revelação da nova Literatura portuguesa, neste seu périplo, em X Cantos como n’ Os Lusíadas, viaja através de Bloom, seu protagonista, tirado de Ulisses de Joyce, em busca de um novo conhecimento e do esquecimento do passado.
O português é uma alma inquieta. Inquieta e aventureira. Também pelintra. Séculos de atavismo, de ilusões, de saudade e de carpido Fado o estruturaram. Capaz dos maiores feitos e das maiores vilezas nunca encontrou na Pátria o linimento para um espírito voraz e uma carteira rôta.
O sub desenvolvimento desta Nação, os séculos de governantes atávicos, moldaram os caracteres e atrofiaram as cervizes. O que não foi obstativo de darem “novos mundos ao mundo” e depois, quedarem-se na horta ao fundo da casa, contemplativos, vendo crescer a alface e a couve troncha.
Talvez o Álvaro-que-foi-ministro tivesse lido “Uma Campanha Alegre“. E achasse a salvação nas natas antes de assumir a liderança do departamento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). O país não se salvou. Apenas o Álvaro-que-foi-ministro. O estômago dos portugueses, esse, já não dói da doçaria, que é acessório de mesa rica. Dói de fome. E não é o açúcar que estraga os dentes. É a falta de meios para cuidar deles.
A anedota diz-nos que Deus quando criou Portugal (aqui não foi Afonso Henriques) lhe deu um sol esplêndido, um clima temperado, um mar fabuloso, montanhas espectaculares, planícies doiradas e férteis, uma fauna variada, ares revigorantes, paisagens atordoantes, riquezas naturais… e depois, perplexo por tanta e tão dadivosa fartura, em contraponto, lhe deu os portugueses…
Como nesta Índia de Gonçalo Tavares “onde o que não se vê é sempre belíssimo e entusiasma, enquanto sobre a superfície vive gente pobre com ligações apenas à sua sombra”. Isolados em si mesmo, vivendo a sua trágica Odisseia na solidão dos novos-pobres, numa indecisão pendular de quem parcas vezes na nossa História pegou em armas, assim o lusíada de hoje, atremoujado de tantos e tão tumultuosos Cabos das Tormentas, que já há muito julgara dealbados.
1383 – 1640 – 1820 – 1910 – 1974…
257 – 180 – 90 – 64 –
“É a hora!” que o tempo encurta…