“Quem quer ser visto não vê nada do mundo à sua volta. Está com uma venda nos olhos.”
Fonseca, Rubem, Pequenas Criaturas, Campo das Letras
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Percebemos a existência de uma gula de ser visto.
Há dois tipos fundamentais de visibilidade: aquela que é conferida ao sujeito pela qualidade e positividade dos seus actos; a que advém pelo defeito e negatividade do agir.
Os candidatos ao protagonismo movem-se em bicos de pés, não pelo silêncio do andar, mas para se altearem. Juntam-se aos focos irradiadores de visibilidade. É-lhes fundamental a projecção da sua imagem. É o acto de comunicar a imagem. Querem ser vistos associados a circunstâncias que os realcem e destaquem. Porém, muitas vezes, o desejo não certifica a efectivação do acto. Eu não sou bom porque quero ser bom.
Em geral, aqueles que assim agem estão conscientes das suas limitações e esforçam-se para as superar. Não através do agir, sim através da plurificação da imagem. Como se fosse um estribilho repetido (passe a tautologia), uma anáfora envolvida no bis placenta repetita, aquilo que é repetido agrada.
À repetição ou contínuo surgimento da imagem associam – quando não estão mudos e a sorrir estupidificadamente – um dizer. Um discurso. Uma retórica adjectiva, pomposa e revigorante de substantivos frouxos, com verbos de alcance duvidoso, geralmente usados no futuro, tempo que foge ao desmentido e advérbios tais como o “praticamente” que tem a capacidade de negar/limitar o anteriormente dito. É o indivíduo instalado num discurso que se ergue e tomba no vazio, só tem efeito na sonoridade (significante sem significado) e quando alcança conteúdo, vem recoberto de cosmética pseudonobreza. Assim se cauciona tanto na vacuidade como no cinismo.
O indivíduo quando exposto na negatividade do seu agir tudo faz para se subtrair à ostentação da imagem. Assim, o criminoso algemado, ao sair do tribunal, tenta desesperadamente ocultar o rosto. Mas há excepções: arguidos com ou sem culpa formada não escondem o rosto, porque escondê-lo seria admitir a culpabilidade. Duarte Lima, Isaltino de Morais, Oliveira e Costa subiram alto o suficiente para não se rebaixarem à ocultação, mesmo que dilacerados interiormente pela fragmentação irreversível da personagem laboriosamente construída. Só que aquela frieza altiva é espectáculo e deve ser idêntica à de Maria Antonieta ao subir para o cadafalso. Mas essa, era uma Senhora.