O caso das ‘offshores’
O secretário de Estado do anterior Governo de coligação PSD e CDS-PP, Paulo Núncio, assumiu a responsabilidade pelo facto de 10 mil milhões de euros de transferências para ‘offshores’ não terem aparecido nas estatísticas entre 2011 e 2014. Contudo, mais do que ficar satisfeito com o assumir da responsabilidade por parte do governante, o […]
O secretário de Estado do anterior Governo de coligação PSD e CDS-PP, Paulo Núncio, assumiu a responsabilidade pelo facto de 10 mil milhões de euros de transferências para ‘offshores’ não terem aparecido nas estatísticas entre 2011 e 2014.
Contudo, mais do que ficar satisfeito com o assumir da responsabilidade por parte do governante, o que me interpela é o modo como todo o processo foi gerido e os pressupostos que levaram àquela decisão.
Assim, dentro desta análise, sou levado a pensar que as responsabilidades pessoais de Paulo Núncio não chegam e não são suficientes para explicar, ou clarificar a situação.
Agora, todos nós já sabemos, pela confissão explícita do secretário de Estado, que a não publicação das estatísticas se deveu a uma opção sua, baseada na crença de que a sua divulgação poderia beneficiar os infratores, isto é, aqueles que enviam montantes elevados para ‘offshores’ – paraísos fiscais. Deste modo, a opção tomada foi consciente, ponderada e decidida, por Paulo Núncio.
Todavia, não foi esta a explicação dada desde o início da polémica. O que assistimos foi à tentativa de adiar e branquear o mais possível a justificação para a não publicação das estatísticas da AT com os valores das transferências para ‘offshore’, uma publicação que tinha sido tornada obrigatória desde 2010. Numa primeira fase, arremessou-se a responsabilidade para a esfera da AT e, mais tarde, a imputação do erro foi atribuída a uma eventual falha informática. É esta forma ligeira, descarada e sobranceira de lidar com as questões, por parte de alguns protagonistas políticos, que nos deve levar a refletir e que não devemos aceitar. Uma tentativa de nos considerar a todos “parvos” e incapazes de fazer uma leitura crítica dos acontecimentos.
Na verdade, o que aqui está em causa é como uma decisão tão importante foi tomada individualmente pelo secretário de Estado, sem a partilhar com os Ministros da sua tutela. Então um secretário de Estado toma uma decisão e não informa o seu superior hierárquico? E, por sua vez, os Ministros não têm interesse por um tema tão relevante dentro do seu objeto de poder?
Este episódio demonstra ainda o tipo de relacionamento, ou falta dele, que existia entre o Governo, nomeadamente o Ministério das Finanças, e a Autoridade Tributária. Um Governo que foi incapaz de trabalhar em articulação e cooperação com outros sistemas da organização do Estado.
A decisão de Paulo Núncio não só levanta dúvidas legais, como moralmente é inaceitável. Convém lembrar que tínhamos um Governo rígido, feroz no combate ao pequeno detalhe fiscal junto das pessoas singulares, que nada perdoava, mas que, relativamente à saída do país de grandes quantidades de capital, fechava os olhos.
Em toda esta problemática, o que está em causa é a opacidade, o narcotizar da situação e a necessidade de os políticos assumirem definitivamente que o exercício de cargos ao serviço do bem comum deve ser realizado com a máxima transparência e verdade.