Carta Aberta a um (qualquer) Socialista

  Caro camarada, Escrevo-lhe estas breves linhas porque ainda entendo os partidos políticos como espaços de diálogo, de discussão de ideias, entre pessoas com afinidades ideológicas suficientemente próximas para os levar a pertencer a uma mesma “família”. Escrevo-lhe porque acredito que o meu sentimento é transversal e também o defende. Todos sabemos que, nos últimos […]

  • 16:28 | Sexta-feira, 03 de Fevereiro de 2017
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Caro camarada,

Escrevo-lhe estas breves linhas porque ainda entendo os partidos políticos como espaços de diálogo, de discussão de ideias, entre pessoas com afinidades ideológicas suficientemente próximas para os levar a pertencer a uma mesma “família”. Escrevo-lhe porque acredito que o meu sentimento é transversal e também o defende.


Todos sabemos que, nos últimos anos, se foi instalando entre os nossos concidadãos  um sentimento de aversão aos partidos políticos, aversão essa simultaneamente motivada e que motivou o afastamento de cada vez mais cidadãos destes fóruns e até da participação cívica essencial ao regime democrático. Sentimento que levou igualmente a níveis cada vez mais elevados de abstenção nos actos eleitorais.

Na minha modesta opinião isto deve-se, em parte, ao facto dos partidos se terem fechado sobre si mesmos, não estando verdadeiramente interessados em ouvir e integrar opiniões. O “interesse” manifesta-se quase sempre, apenas e de forma um tanto ou quanto hipócrita, nas campanhas eleitorais. Há uma certa prudência instalada para dificultar o surgimento de figuras não apadrinhadas. Trata-se do futuro, mas não do futuro do país.

Aparentemente este processo de exclusão, através do recurso à não consideração das opiniões emitidas, alarga a sua influência às próprias estruturas do partido e aos seus militantes, cada vez mais ignorados. Parece que, agora, uma decisão de uma estrutura local, sobre um assunto local, passa a letra morta e centralizam-se decisões na grande “capital do império”, ou numa qualquer dependência provinciana, que lá é que se sabe o que todo o país (até o “colonial”) precisa. Quando uma espécie de milagre da multiplicação dos militantes aparenta ser o que realmente sustenta o advento da proximidade é natural que assim seja. Eu ateu, quase apóstata, me confesso que a graça de Deus me ilumina a pensar que isto é errado.

Exemplo disso mesmo são as recentes celeumas com as escolhas de cidadãos para liderarem candidaturas autárquicas feitas por algumas concelhias, que se viram completamente desautorizadas, pese embora as justificações e receios fundamentados invocados nos sítios próprios.

A justificação é sempre a mesma e deriva da moção aprovada em Congresso de que nas autarquias com presidentes em exercício e com capacidade de se recandidatarem, devem estes ser os candidatos. Defender isto como princípio geral assegura, desde logo, a assunção de que a democracia interna do partido fica em stand-by, o que é preocupante. Alguém que foi eleito, só por esse facto, não deve ser sujeito a um processo de análise e crítica? Deve assumir-se então que, independentemente das políticas aplicadas serem as que o Partido defende, o status quo é para manter? Seguramente que a ideia não será esta mas, a ideia que transparece é que qualquer um serve, qualquer ideologia é adequada, qualquer conteúdo programático encaixa no Partido, desde que se ocupe a “preciosa” cadeira do poder. Na minha, certamente impreparada, opinião com esta abordagem transmitimos aos eleitores, a ideia de que queremos o poder independentemente do que queremos fazer com ele.  Com esta atitude favorecemos a saturação, a abstenção e reforçamos o populismo e as abordagens mais radicais aos problemas da sociedade.

O exercício do poder deve servir para implementar valores em que acreditamos, uma sociedade com a qual nos identificamos e não deve constituir um fim em sim mesmo. A ele devíamos demonstrar desapego pessoal. O recurso a lugares comuns do género do “a política é isto mesmo”, deviam estar banidos do discurso e do pensamento, a não ser que encaremos a militância como se fosse a pertença a uma espécie de club ao estilo britânico.

Supondo que, teoricamente, um destes presidentes manifesta comportamentos reprováveis que envergonham qualquer cidadão, demonstra que tem uma afinidade notória para o atropelo de normas éticas, morais e legais e tendo esses comportamentos sido denunciados, é aceitável que escolhamos o mais austral comportamento de enfiar a cabeça na areia? Não me parece.

Pelo que me habituei a ouvir, muito mais do que a ver, sei que a honestidade, a honradez, a solidariedade, a fraternidade e a educação (algo tão trivial como não insultar concidadãos com brejeirices em público) são valores por todos defendidos. Sei também que estes valores valem para todos os socialistas (e calculo eu que para todos os militantes de outros partidos) e que são mais importantes do que os próprios ideais professados pela esquerda republicana. São no fundo uma forma de estar na vida que todos gostamos de apresentar com mais ou menos autoridade. Também sei que para um partido com a história e os pergaminhos do Partido Socialista, admitindo que os quer perpetuar e romper com “acidentes de percurso”, há coisas demasiado graves para que um candidato possa ostentar.

Isto porque acredito que o Partido é um dos garantes de uma sociedade melhor, mais justa e solidaria, mas também porque são estas situações que o mancham, e arrastam para uma espiral de maledicência que afecta não só os responsável (por acção ou omissão intencional) mas a todos os cidadãos.

Bem-haja pela paciência.

 

 

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Publicado em Opinião