Como será a personalidade e o carácter de um indivíduo que usa e abusa nos seus actos elocutórios do substantivo “resiliente”?
Num dicionário de língua portuguesa actual este vocábulo nem sequer aparece. É novo. Um neologismo trazido da fleumática e vetusta Albion, “resilience” que, na física quer significar a propriedade de um corpo de recuperar a sua forma original após sofrer choque ou deformação ou, em sentido figurado, a capacidade de superar, de recuperar de adversidades.
Hoje encontrei muita gente. Entre eles um conhecido, pedante por natureza, anglófilo por snobismo, que não por cultura, iletrado por má-formação…
– “My friend, vi no “face” que aniversaria… deixe-me dar-lhe um shake-hands (zumba/zumba/zumba…) e mais o aconselhar: Temos que ser resilientes, resilientes, ouviu…!” eu ouvi – coisa que ainda faço benzinho – levei uma palmada nas costas que me ecoou nas arcas e lá me esgueirei ligeiro…
Já no remanso do escritório, telefona-me um político da praça: – “Meu estimado amigo, nunca me esqueceria do seu aniversário! 2014 vai ser um Ano de categoria, o meu preclaro vai ser muito bem sucedido com a rua direita que mais que todos estimo e, creia-me, creia-me, ouviu, alavanco-a em todo o lado. Em todo o lado…!”
Resilientemente alavancado fiquei a pensar nos modismos da linguagem, nas flutuações do léxico e na capacidade de certos fabianos florearem o discurso com neologismos patetas e/ou patéticos. Uma alavanca era uma palanca ou toro de madeira, depois tornado em corpo rígido com forma de barra, girando em torno de um ponto de apoio fixo, o fulcro, para multiplicar uma força, a potência, inferior à resistência. Terá sido, dizem, Arquimedes de Siracusa a proferir: “Dêem-me uma alavanca e um ponto de apoio e eu moverei o mundo…”
Claro está que os pedantes passaram logo do substantivo ao verbo, essa essência do movimento, para alavancarem tudo e nada.
Não se admirem pois se qualquer dia a esposa disser para o marido, no calor da refrega conjugal: – “Meu requeijãozinho, não consegues alavancar…?”
Porque é que as pessoas não se exprimem, para o primeiro caso, com superar, recobrar, recuperar… e no segundo com um mero levantar, erguer, aumentar? Porque assim, nada, na sua vacuidade, as distinguiria do vulgo que corporizam… o mal é velho, e o Molière, esse génio da sarcástica insolência afirmava: “Quando não nos fazemos entender, falamos sempre bem…!”. Quem não se lembra de um “adredemente obnubilado” edil de um concelho vizinho que zurzia o pobre ouvinte, a torto e a esmo, com Ortega Y Gasset e Santo Agostinho na sua intemporal “obsolescência“?
E esta gentinha quer falar bem, parecer eloquente, exibir o saber que não tem, a cultura de plástico adquirida como alguns ministros e tão consentânea com os tempos de hoje. O ser e o parecer, o tal binómio…
Vivemos tempos nulos e o tempo dos nulos – do lat nullus, nenhum – que não tem valor legal, inútil, ineficaz, inexistente, equivalente a zero, inapto…
Quando ao pé de vós chegar um “soit disant” resiliente, alavancado de nenhures, olhem para além dele… Estão perante um nulo a colorir o tarro da unhinha com o fresco verniz madre-pérola recém-adquirido e ainda por secar e pagar…