Cavaco Silva é o português que muitos compatriotas se esforçam por esquecer. Contudo, para mal dos nossos pecadilhos, a sistematicidade de algumas práticas por ele instituídas tornaram-se numa vulgaridade de Lineu omnipresente, num pechisbeque chinês a atribular o quotidiano dos seus (in)fiéis compatriotas.
Falo das comendas, neste país de comend(t)adores, engenheiros e doutores…
Não daquelas ontem outorgadas à Selecção Nacional, suadamente merecidas e que ergueram alto o nome da Lusitana pátria mundo além, mas da pretensão de um grupo de admiradores do jovem português, Mathis de sua graça, que generosamente foi consolar um adepto francês desfeito em lágrimas, à saída do Champ de Mars e face à derrota da sua gaulesa equipa.
A espontaneidade e genuinidade de Mathis, nos seus 10 anos de idade, foi tocante e mostrou um menino generoso, solidário e caloroso. Como deveriam ser todas as crianças daquela idade, se bem-educadas e carinhosamente criadas. Admiramo-nos pois muito com esta excepção quando ela devia ser a regra. O que infelizmente não acontece.
Mathis justificou-se assim, na sua inocente candura:
“Moi, en fait, je suis sensible quand les gens pleurent d’une défaite et je les comprends… »
(tradução literal : “Eu, de facto, sou sensível quando as pessoas choram por uma derrota e compreendo-as… “).
Neste mundo da imagem, do visual-viral, no qual todos somos à nossa pessoal escala uma espécie de Godard, Cocteau e Lelouch em pack de 3, um tm gravou o acto e, num ápice, o colocou a vibrar no sideral espaço argonáutico, gerando uma legião de comovidos fãs do jovem Mathis, um luso-descendente, provavelmente já da 3ª ou 4ª geração dos heróicos emigrantes do início da década de 60.
E de repente, almas carentes, todos nós nos comovemos e, por instantes, no gesto vimos a Gesta da Ingrata Alma Pátria de Camões:
(…)
Sobre vencerdes, pois, tanto inimigo,
E por armas fazer que sem segundo
No mundo o vosso nome ouvido seja;
O que vos dá mais fama inda no mundo,
É vencerdes, Senhor, no Reino amigo,
Tantas ingratidões, tão grande inveja.
e vislumbrámos ainda e também o Rosto da Europa, de Pessoa, aquele que…
Fita, com olhar esfíngico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado.
O rosto com que fita é Portugal.
Porém, logo havia de surgir um inspirado grupo de apóstolos-da-comenda-cavaquista a propor que o jovem Mathis fosse condecorado. E de um gesto emotivo e digno se fez a triste e patética rábula dos solicitadores do laçarote, da tarja e da medalha.
Num sussurro longínquo me ocorre a ode do trovador d’antanho :
”Se perderes um braço nalguma batalha
No Dia da Raça dão-te uma medalha…”
Abençoada grandeza esta num tempo amaldiçoado onde da espontaneidade se quer, a todo o custo, fabricar heróis para o Dia de Portugal, tão carente deles e tão sorumbaticamente ainda infestado dos penúltimos vírus, presidencial e governamental.