A comunicação da Câmara Municipal de Viseu: O vazio da retórica pela inflação do adjectivo

    Se nalguma coisa o executivo camarário viseense inovou, talvez pela mestria ilusionista dos “ecos” do “megafone-mor”, foi na comunicação do virtual, do signo oco, da semântica do oposto, da retórica do vazio. Para isso, em termos “barthesianos”, consciente de que o substantivo está gasto e tem necessidade de se revigorar, recorre ao adjectivo […]

  • 11:40 | Domingo, 12 de Junho de 2016
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Se nalguma coisa o executivo camarário viseense inovou, talvez pela mestria ilusionista dos “ecos” do “megafone-mor”, foi na comunicação do virtual, do signo oco, da semântica do oposto, da retórica do vazio.
Para isso, em termos “barthesianos”, consciente de que o substantivo está gasto e tem necessidade de se revigorar, recorre ao adjectivo “para isentar o nome das suas decepções passadas, apresentá-lo num estado novo, inocento, digno de crédito.”
Até e no entendimento de que o adjectivo concede ao discurso um valor futuro de finalidade ou promessa. Logo, na acrítica amnésia colectiva, sem consequências cobráveis no amanhã.
 
A última “boutade” destes prestidigitadores do ilusório consiste e reside em fazerem crer, por palavras que não por obras, serem profícuos empreendedores de oitavas maravilhas do mundo.
Para tal, surripiando o léxico à GNR e à PSP e às suas grandes acções contra a delinquência, a prevaricação e o crime, começaram a apodar de “mega-operações” o asfaltar de alguns quilómetros de via pública, inscientes de que se o patético matasse, a praga dispensava os pesticidas.
Nesta sua senda do desespero para mostrarem alguma coisinha, tentam levar-nos a crer que estamos face aos seus “flops” como perante a reconstrução da Muralha da China ou do acrescentamento de mais um andar à Torre Eiffel, já crescidinha nos seus 317 metros.
Depois desta perniciosa alteração semântica (fase A), há que dar brado à atoarda (fase B) e então, toca a convocar as mendicantes agências noticiosas do quase mundo inteiro, da Esculca a Gumirães, levá-las a um troço de via e anunciar:
“Aqui vamos relançar 3,5cm de alcatrão!”
De seguida, no meio dos clamores estonteados da multidão abismada, o autarca, corta a fita e descerra a placa com os possíveis dizeres:
“Sua Excelência o Presidente da CMV deu aqui, ao km 2,3 da Avenida de Aveiro, uma mega conferência de imprensa sobre a mega operação de asfaltamento de 1,7 km de artéria, às 14:35 do dia 10 de Junho de 2016.”
Entretanto, as forças policiais supra referidas enfrentam uma crise lexical grave pela apropriação indevida de conteúdos semânticos do seu âmbito de actuação, sendo até possível que peçam ao ministro da tutela audiência para debaterem tal e tão profundo “furto” comunicacional.
Com este desvirtuamento, como dizer agora,:
“Forças da GNR fizeram uma mega operação no Bairro da Candonga, na Cova da Toupeira”?
Não irão os leitores e espectadores pensar que se tratou de alcatroar a esconsa via de acesso ao covil?
“A retórica oficial pode empilhar os cobertores da realidade, há sempre um momento em que as palavras lhe resistem e a obrigam a revelar, por debaixo do mito, a alternativa da mentira ou da verdade…”
R. Barthes – Mitologias (ed. 70)

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