SOUTOSA IV –A CASA MÃE DOS GAUDÊNCIOS
A casa do pai José Francisco Gaudêncio, era das mais valentes por aquela corda de povos. Aquilino Ribeiro, Terras do Demo. O visitante que assoma ao portão grande que dá acesso ao amplo terreiro para onde abre a velha morada familiar dos velhos pais de Aquilino, hoje Sede e primacial espaço físico da […]
A casa do pai José Francisco Gaudêncio, era das mais valentes por aquela corda de povos.
Aquilino Ribeiro, Terras do Demo.
O visitante que assoma ao portão grande que dá acesso ao amplo terreiro para onde abre a velha morada familiar dos velhos pais de Aquilino, hoje Sede e primacial espaço físico da Fundação Aquilino Ribeiro, encontra a espaldas, sobre o lado esquerdo, o arruinado casario que terá inspirado essa impressionante descrição da mais avantajada casa de lavoura da efabulada terra de “Seitosa” a que pertencem por laços de sangue muitos dos figurantes dessa incrível saga que pela vez primeira ponteou com indeléveis marcos essas inimagináveis “Terras do Demo” situadas num ignoto cabo de mundo.
Estas avantajadas moradas de loja e sobrado eram, há um pouco mais de cem anos, residência inventada de José Francisco Gaudêncio e de sua mulher Custódia e de uma prole numerosa que irá percorrer bem incertos destinos, o Padre Francisco sempre queixoso das magras côngruas, o irmão Augusto tão cedo tolhido no seu leito, Rosa, infeliz na vida e nas circunstâncias da morte, Luísa e Rosalina a quem a morte levou cedo de mais, Rita, a paciente mulher do Chico Brás e a ingénua Clarinha que sabia ler nas cores do Poente a sorte do dia de amanhã. Florinda, Glòrinhas, sua prima, o bruto do João Bispo, todos da seguinte geração, uns que ficaram na terra, outros que partiram para o Brasil, parece que nenhum andou com sorte por essas terras ruins e que nem a Senhora da Lapa nem a Senhora da Penha de França, lá longe, puderam desviar-lhes a sina.
A casa grande, de pedraria lavrada, a espaçosa quintã com as duas porteiras levantadas, os abonados chãos de cultivo, a larga extensão de monte maninho do pascigo dos gados, os pinheirais arredios de onde vinha a lenha para o forno e a lareira, as eiras, o moinho, tudo se foi, com os donos. Que na taberna pouco tempo demorou o ramo de loureiro, que os machos dos almocreves deixaram de ali se acomodar com a abertura de uma estrada onde, todavia, não passou coche real de que alguém se apercebesse.
Na Soutosa de hoje o sol nasce e põe-se em cada dia. Mas a boa da Clarinha Gaudêncio já não vive para ler nas cores do Poente a sorte do dia de amanhã.
(foto PN)