Gerar o furacão
Na “Revista” do “Expresso” tenho por hábito e proveito ler Clara Ferreira Alves e José Tolentino de Mendonça. Conheci literariamente este padre de 48 anos com a obra “A Noite abre os meus Olhos” (2006). Entretanto, entre galardões e comendas, perdi-o um pouco de vista. Na sua rubrica desta semana, com optimismo e serenidade, escreve: […]
Na “Revista” do “Expresso” tenho por hábito e proveito ler Clara Ferreira Alves e José Tolentino de Mendonça.
Conheci literariamente este padre de 48 anos com a obra “A Noite abre os meus Olhos” (2006). Entretanto, entre galardões e comendas, perdi-o um pouco de vista.
Na sua rubrica desta semana, com optimismo e serenidade, escreve:
“De pouco serve agarrarmo-nos aos nossos pontos de chegada, como se eles fossem os únicos legítimos, quando deveríamos antes começar a bendizer o futuro que nos declare ultrapassados. Bendito o futuro que se ria de nós por termos confundido tudo: a deslocação com a viagem, a aproximação com o encontro, a posse das coisas com o seu uso, a amontoação dos bens com o seu gozo saudável. Bendito o futuro que nos critique por termos produzido tanto e distribuído tão mal, por termos ido à lua e resistirmos tanto, mas tanto a chegar ao conhecimento do nosso próprio coração.”
Por seu turno, a primeira é uma jornalista cuja frontalidade e clareza de escrita muito aprecio. Escreve ela acerca do mito caído de Obama, cedido ao poder de Wall Street, nos EUA. Na Europa, acerca de Wolfgang Schäuble e dos “bancos do cartel e da vigarice” a quem todos servimos e sobre o futuro que será “o triunfo absoluto de um sistema capitalista internacional sem controlo e sem fronteiras, sem adversário…” escreve sobre os “Jogos da Fome”, “protegidos e desprotegidos”, “os rebeldes e os rejeitados” e a “revolta contra a ditadura da nova burguesia”. Ou seja, nada de auspicioso nesta sociedade de 99% de serventuários do 1% que constitui e integra os Senhores do Mundo.
Curiosamente, neste expressar antagónico de pontos de vista, dou comigo a dar razão aos dois, embora a serenidade pregada por Tolentino tenha muito de um fundo cristão que hoje, incréus, sentimos dificuldade em ver. CFA é irrequieta e cortante como uma afiada lâmina de Toledo. E lacera-nos interiormente, arredando a esperança que ainda em nós existe e instilando-nos a vontade de lutar, com tenacidade e todos os meios ao nosso alcance contra este irreversível fatum que não pode ser aceite com leveza de ânimo, como se a isso fossemos condenados pelos nossos pecados de hoje e de mais uma dezena de gerações anteriores.
Se tivermos presente que, em breve, 99% da Humanidade estará subjugada a 1% de agiotas, basta pensarmos que se todos soprarmos na mesma direcção, geraremos um furacão que os varrerá da face da Terra.
Feliz Consoada e Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.