Pelas causas
Publico na íntegra a carta que enviei ao Secretário Geral do PSD formalizando a minha desvinculação como militante do PSD. Continuo Social-Democrata e lembro-me de duas citações de Francisco Sá Carneiro que guiam muito daquilo que faço: “saber estar e romper a tempo, correr os riscos da adesão e da renúncia, pôr a sinceridade das […]
Publico na íntegra a carta que enviei ao Secretário Geral do PSD formalizando a minha desvinculação como militante do PSD. Continuo Social-Democrata e lembro-me de duas citações de Francisco Sá Carneiro que guiam muito daquilo que faço: “saber estar e romper a tempo, correr os riscos da adesão e da renúncia, pôr a sinceridade das posições acima dos interesses pessoais, isto é a política que vale a pena” porque “se eu não fosse capaz de ter outros interesses, outra vida, criar outras possibilidades, estava destruído como homem”.
“Caro Secretário-Geral do Partido Social Democrata (PSD),
A decisão que lhe comunico nesta carta não foi fácil de tomar, porque não gosto de deixar para trás as coisas em que me envolvo de forma desinteressada e tendo em mente somente objetivos de serviço público. Para além disso identifico-me com uma boa parte da história do PSD, especialmente com o pensamento e ação política do seu fundador Francisco Sá Carneiro. Sou verdadeiramente social-democrata na forma como penso, como vivo e como encaro o mundo. Não sei estar nas coisas sem me envolver com sentido crítico, e sem sentir que me identifico com o pensamento, com a ação e com aquilo que é a linha atual do partido como reflexo da vontade legítima da maioria dos militantes.
O partido mudou, como devem fazer de facto todas as organizações. Mas mudou para algo com o qual não me identifico, que nada tem de social-democrata e que no meu ponto de vista deixou de ser um elemento ativo na mudança que o nosso país precisa. Deslocou-se para a direita, é um partido sem valores e sem rumo, sentado no poder e habituado a cerrar fileiras para o manter, que esqueceu o debate, que esqueceu a sua história (a verdadeira razão da militância) e que se esqueceu do seu propósito reformista. Lamentavelmente, esqueceu também a verdadeira essência do seu sucesso: um partido social-democrata, centrado na pessoa humana, na melhoria das condições de vida da população, que colocava o foco na economia e nas preocupações sociais, rejeitando justamente a primazia do mundo financeiro, porque tinha um plano de reforma permanente para Portugal. Um plano que identificava corretamente aqueles que são, de facto, os problemas do nosso país e que percebia como os podia resolver. Valeria a pena, se calhar, clarificar esses problemas e qual a visão social-democrata que deveria estar no centro da ação política:
Primeiro, a crise de crescimento que se vive atualmente vem sendo atribuída a um fenómeno externo, conjuntural. Isto não é assim, em grande medida: a não convergência para a média de rendimento per capita da UE dura há cerca de uma década e, por isso, em paralelo àquele fenómeno macroeconómico há um problema estrutural em Portugal. Isto significa que o PSD teria de estar na primeira linha do debate das reformas essenciais ao país, mobilizando para esse esforço toda a população, em vez de se limitar a aplicar de forma acéfala um conjunto de receitas impostas pelo exterior, altamente gravosas para a economia e para as pessoas, pelo facto de o país ter estado no limiar de um default.
Segundo, se existe um problema específico no País, na sua estrutura económica, coloca-se a questão de como o resolver e se é possível resolvê-lo com relativa probabilidade de sucesso, dada a abertura da nossa economia. Aqui há uma luz ao fundo do túnel: parte do problema – a parte estrutura – depende em grande medida das nossas opções enquanto povo, enquanto empresários, trabalhadores, estudantes, etc. Como dizia Francisco Sá Carneiro: “Mais importante do que doutrinar é levar as pessoas a pensar, a criticar e a discernir”.
Portugal não tem conseguido atingir os níveis de produtividade da EU e isto é uma condição sine qua non para se atingir os grandes objetivos de prosperidade, solidariedade e qualidade de vida. A propósito disto, relembro mais uma vez Francisco Sá Carneiro, quando no final do III e IV Congressos do PSD em Leiria, dizia numa simples frase aquilo que pode ser um verdadeiro programa social-democrata:
“Vamos continuar a lutar pela liberdade concreta, pela igualdade e pela dignidade de vida dos Portugueses. E havemos de construir o país que desejamos.”
Este PSD que era mudança, que era reforma, que era esperança e que era futuro para Portugal deixou de existir. É agora um partido sem vontade própria, sem propósito e sem objetivos. Um partido subjugado por ideias e imagens impostas do exterior e que nada têm de social-democrata, de reformador, de agregador ou sequer de democrático. Um partido que confunde a necessidade de reforma exigente com destruição pura e simples de coisas essenciais como o Serviço Nacional de Saúde e a Escola Pública, contribuindo assim para o agravamento das desigualdades sociais num país já de si pobre e muito desigual. Um partido que se esqueceu do território, do interior, das enormes diferenças existentes, da crescente desertificação populacional e económica em vastas zonas territoriais, e não foi capaz de planear e executar um programa de desenvolvimento regional coerente.
É com muita pena que lhe envio esta carta e lhe digo que desejo deixar de ser militante do PSD, pelo que solicito que cancele a minha inscrição no partido. Continuarei social-democrata, muito ativo e muito interessado em contribuir para o futuro de Portugal. É o que farei, sempre, pois “se eu não fosse capaz de ter outros interesses, outra vida, criar outras possibilidades, estava destruído como homem” (Francisco Sá Carneiro, 1979).
Com os melhores cumprimentos,
Joaquim Norberto Cardoso Pires da Silva”