Caro Norberto, é fácil falar agora?

Christine Lagarde admitiu, em nome do FMI, que cometeram um sério “erro” de análise em relação aos efeitos da austeridade, o que obrigou Portugal e Grécia a aplicarem programas de ajustamento num espaço de tempo demasiado curto. Esta constatação diz tudo, e merece uma reflexão muito aprofundada e serena de TODOS os Portugueses. Por favor […]

  • 13:31 | Quarta-feira, 11 de Dezembro de 2013
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Christine Lagarde admitiu, em nome do FMI, que cometeram um sério “erro” de análise em relação aos efeitos da austeridade, o que obrigou Portugal e Grécia a aplicarem programas de ajustamento num espaço de tempo demasiado curto.
Esta constatação diz tudo, e merece uma reflexão muito aprofundada e serena de TODOS os Portugueses. Por favor SENTEM-SE um pouco e reflitam nas dificuldades porque estão a passar. Pensem nos sonhos de muitos, destruídos. Pensem naqueles que emigraram, porque era necessário fazer de forma cega. Pensem em vocês mesmos, no que aconteceu à vossa vida, como tudo mudou em poucos meses.
O que concluem? Gostava muito que me dissessem, deixo o meu correio-electrónico abaixo para que o façam.
Eu tiro uma conclusão óbvia. O nosso sistema político, a forma como nos organizamos e ELEGEMOS os nossos governantes, não seleciona as pessoas e não tem a organização que permita defender os interesses nacionais e os cidadãos portugueses ATÉ AO LIMITE das nossas forças. Porque um poder forte, com pessoas determinadas, nunca teria aceitado um “espaço de tempo demasiado curto”. Teria feito ver que não funcionaria, seria um sacrifício demasiado penoso. Teria argumentado com um plano sério, bem calendarizado e comprometido, baseado numa efetiva mobilização da nação. Teria colocado o desafio a Portugal, para que mudasse e fosse capaz de se repensar. Teria liderado e abandonado o tradicional lamento nacional, e feito valer a nossa valentia. Teria nivelado o país, não deixando que ele continuasse inclinado para o litoral e para Lisboa. Teria repensado os fundos comunitários, para que eles fossem colocados ao serviços das nossas potencialidades, da nossa capacidade de inovar, criar valor e ter sucesso. Teria pensado que tudo isso implica um interior forte e rejuvenescido, capaz de tirar partido de potencialidades únicas, baseadas na qualidade do território, no meio-ambiente de exceção, nos recursos endógenos (produtos do local), para dinamizar uma economia regional forte. Teria reformado de forma séria, sem tabus, o ensino superior e a ciência. Teria alargado a educação, baseada na Escola Pública, e metido na cabeça de todos que isso não é um custo, é UM INVESTIMENTO: o melhor que podemos fazer, o dinheiro mais bem gasto. Teria reformado a saúde, tornando-a mais eficiente, pública e de acesso a todos. Teria reformado a justiça, para que fosse célere, rápida e atingisse todos. Teria pensado numa reforma da Segurança Social que tivesse princípios de equidade e garantisse algum do risco de quem, pela sua atividade, corre riscos para ter sucesso. Teria pensado que um país que não cuida da sua terra, não produz, não faz, não tem sucesso. Teria pensado no imenso mar que tem, e visto as enormes potencialidades. É ridículo o estado da construção naval, das pescas e do turismo quando se tem esta enorme extensão de mar. Teria, em suma um plano de desenvolvimento para o país, construído em conjunto, para que pudesse ser mobilizador e, portanto, pudesse ter alguma hipótese de sucesso.
Mas não, porque são fracos, ou porque nasceram fracos, ou porque promovem os fracos e os medíocres, escolheram o caminho dos enganos, das promessas vazias, dos caminhos “ignaros” da inevitabilidade: os únicos que verdadeiramente conhecem. Como o agente Smith, repetiram até à exaustão: “It’s inevitable, Mr. Anderson”. Mas não é. Não era. E não deveria ter sido.
 
Muitos dirão. Caro Norberto, é fácil falar agora.
Eu direi, em resposta: falei em devido tempo, escrevi em artigos e livros, e disse-o livremente em debates e conversas. E fi-lo sempre, mesmo quando em funções oficiais, por exemplo, como Presidente da Comissão de Coordenação da Região Centro, onde a pressão para “moderar” as nossas opiniões e posições cívicas é avassaladora. Mas o foguetório mediático, a máquina demolidora dos partidos e uma certa “loucura” que se instalou em Portugal impediu, e impede, que muitos sejam ouvidos. E impede também que todos vocês tirem 5 minutos para refletir. Por favor façam isso.

Disse-o várias vezes, vezes sem conta. Num artigo em 2010, a propósito do OE 2011, cuja discussão na Assembleia da República considerei o “Momento Zero” dizia:

Em minha opinião só existe uma forma de resolver isto. Com um plano sério, a 15 ou 20 anos. Um plano que contenha uma visão do país para o futuro, que seja transversal aos ciclos governativos (nada de credível se faz em ciclos de 4 anos), que tenha os seus objectivos inscritos na lei constitucional (onde esteja ainda inscritos limites ao endividamento e ao deficit público, bem como os princípios da ética e responsabilização do exercício de funções públicas), que coloque o foco na re-organização do país, mais realista e mais eficiente, centrada na nossa capacidade e engenho como povo e como país. Um plano que mobilize o país e afirme de novo que Portugal é viável, tem futuro e que os portugueses sabem disso e estão empenhados. Um plano que mostre o empenhamento de Portugal em resolver os seus problemas estruturais, tendo a folga temporal necessária para o tornar viável, eficiente e consequente.
Mas também um plano que explique por que razão não o fizemos até hoje. Por que razão desperdiçamos as várias oportunidades que tivemos, não sendo capazes de fazer aquilo que então afirmaríamos ser capazes. Temos muito que explicar. Por isso, só seremos convincentes se inscrevermos estes objectivos e limites na lei constitucional. Só assim acreditarão em nós. Só assim perceberão que estamos conscientes e firmemente empenhados em cumprir os nossos compromissos e introduzir as reformas que são necessárias e urgentes para que o problema não se repita.
Não vejo outra forma. Tudo o resto será circunstancial, de muito curto prazo e nada credível. E terá como consequência o empobrecimento ainda mais acelerado do país. Os números não mentem: em 2028, com as actuais taxas medíocres de crescimento, Portugal será o país mais pobre da Europa com um PIB per capita a rondar os 56% da média comunitária (EU 27, 100%) – recuperar, ou seja, igualar a média comunitária, significa crescer mais do que 3% ao ano durante os próximos 20 anos.
Os problemas resolvem-se com estudo e com trabalho, e não com facilitismo e aldrabice. O primeiro caminho gera confiança, credibilidade e respeito, o segundo já todos percebemos ao que conduz.
Um caminho claro, bem afirmado e realista, mesmo que difícil, gerará a confiança e credibilidade necessárias.
(Publicado no jornal Diário As Beiras, no blog associado do Público “Dererum Natura” e no livro “… em Breve”)
Repito isso, palavra por palavra, agora, de novo.
Talvez sirva para que todos vocês tirem 5 minutos para refletir sobre a nossa trajetória, sobre as opções tomadas e sobre o caminho que temos pela frente. Esses 5 minutos de cada um são agora muito necessários.
J. Norberto Pires
Professor Associado com Agregação da Universidade de Coimbra
Correio-electrónico:
Web:
 
Algumas Referências:
“OE 2011 – O Momento Zero”:
Entrevista (19 de Novembro de 2011) – “O País Não É UM JOGO DE CORES”:
Livro “… em Breve”
Capa:
Prefácio do Autor, de Rui Rio e de Gonçalo Quadros:
Página do livro no Facebook:
“O GRITO”, Tedx Talk realizada em Abril de 2012 quando era Presidente da Comissão de Coordenação da Região Centro:


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Publicado em Opinião